“Salários baixos têm efeitos práticos destrutivos”;

Reitor da Universidade do Porto quer mudança de mentalidade empresarial
“Salários baixos têm efeitos práticos destrutivos”
“Quando temos jovens formados nas universidades a trabalhar anos a fio de graça nos escritórios de colegas, está tudo dito sobre a mentalidade que existe em Portugal”, afirma António Sousa Pereira.
A mentalidade das empresas tem de mudar na hora de contratar recém-licenciados e de fixar os seus salários, de modo a evitar que os melhores vão para o estrangeiro, considera António Sousa Pereira, reitor da Universidade do Porto (UP).
Com 19% de estudantes estrangeiros, praticamente o dobro das outras universidades portuguesas, António Sousa Pereira afirma: “Claramente isso para nós é pouco. Queremos mais. Queremos ser uma universidade que se afirme internacionalmente como de referência”. A diáspora portuguesa, África, Ásia e a América do Sul são os mercados prioritários da internacionalização da Universidade do Porto.  
Vida Económica – Em finais de março, num evento aqui na reitoria, lançou farpas quanto à fraca empregabilidade dos licenciados da UP na cidade e na região. Fiquei com a ideia de que gostaria que as empresas locais os absorvessem mais. Estou correta?
António Sousa Pereira – Não. O que chamei a atenção foi para o facto de não haver uma correta valorização dos jovens que se formam na UP por parte dos empresários portugueses. O que leva a que os nossos melhores vão para o estrangeiro, porque lá lhes oferecem condições salariais que em Portugal nunca encontrarão.
 
VE – Mas isso entronca com o que estava a perguntar, ou seja, que as empresas da região…
ASP – As empresas querem-nos, só que não lhes pagam. O que vemos é que os jovens que saem da universidade em variadíssimas áreas de conhecimento acabam muitos por ir para o estrangeiro porque lhes oferecem condições de trabalho que cá não têm. E pode-se questionar: isto é porque as empresas portuguesas não têm capacidade financeira para lhes pagar ordenados condignos? Não. É porque não existe uma mentalidade que faça com que percebam a mais-valia de ter jovens com formação superior a trabalhar nas empresas. Bom, quando temos jovens formados nas universidades a trabalhar anos a fio de graça nos escritórios de colegas, está tudo dito sobre a mentalidade que existe em Portugal. Hoje, temos áreas de conhecimento, de que lhe dou dois exemplos – a Arquitetura e o Direito –, em que os jovens formam-se, saem da universidade e sabem que vão ter um calvário pela frente, mais ou menos comprido, mas sempre demasiado comprido, em que vão trabalhar em escritórios de colegas que invariavelmente não lhes dão dinheiro nem para o autocarro. E isto não é justo. E não pode ser. E quem fala de jovens advogados e arquitetos fala noutras profissões. O ordenado que atualmente se está a pagar a um engenheiro em Portugal é baixíssimo. E, claro, eles vão para a França, Alemanha, Inglaterra, Holanda ou Suécia e vão ganhar três ou quatro vezes mais que em Portugal. Isso é bom para o país? Não, claro que não. Estamos a perder os melhores. E aqueles que têm um espírito mais empreendedor, mais aventureiro e mais arrojado, e que, no fundo, era o que o país precisava, esses, dão o salto e vão trabalhar lá para fora. E vamos pagar isso caro daqui por uns anos.
 
VE – No entanto, o Porto e a região têm captado investimento estrangeiro de qualidade. Essas multinacionais que aqui se instalam não têm essa mentalidade?
ASP – Aí, ao nível das multinacionais, temos realidades muito diversas. Temos multinacionais que realmente estão a pagar salários extremamente competitivos e temos outras que se deslocam para cá porque os salários são baixos. E há que distinguir as duas coisas. Porque temos as duas realidades. Claramente. E felizmente temos algumas que vêm para cá porque valorizam a nossa mão de obra e os nossos jovens e sabem que eles têm formações extremamente competentes e, portanto, sabem que vão ter essa facilidade. Há outras que vêm à procura dos baixos salários. Mas isso é como tudo. Nesta fase precisamos de todos. Admito que, no futuro, o próprio mercado se vá orientando no sentido de começar ele próprio a fazer a seleção e a orientar-se mais para uns ou para outros.
 
VE – Como é que damos a volta a essa mentalidade?
ASP – Acho que as empresas estão a dar a volta. E, à medida que vão entrando gestores com uma visão mais moderna, vão implementando políticas no interior das empresas que valorizam mais a inovação, o desenvolvimento tecnológico. E esses novos empreendedores é que vão fazer a diferença e vão condicionar o mercado e fazer com que se valorize mais essas componentes da atividade empresarial. Um desejo que temos é que a inovação fosse uma componente importantíssima do nosso desenvolvimento empresarial. Diria que há muitíssimo mais inovação do que havia há 10 ou 15 anos atrás, incomparavelmente, mas ainda temos um caminho longo a percorrer.
 
VE – Uma das notas que deixou na entrevista à revista da UP logo a seguir a tomar posse foi quanto à falta de mentalidade das empresas. Não pensei que estivesse a referir-se à questão salarial.
ASP – A questão salarial tem efeitos práticos destrutivos. Porque nós vamos àqueles cursos mais competitivos e os melhores alunos, que o país precisa deles, acabam por ir lá para fora. Porque lhes oferecem condições que aqui não conseguem ter. Não é porque não arranjem emprego, a maioria teria um emprego cá, as empresas naturalmente que os querem. Agora, querem, mas não são competitivas em termos de mercado.
 
Empresas investem 22 milhões em laboratórios colaborativos
 
VE – Nessa entrevista também assumiu que a UP se tem relacionado pouco com as empresas. A situação ainda persiste?
ASP – A UP está ligada ao tecido empresarial, mas ainda não está o suficiente. Por culpas do lado da Universidade, naturalmente, não podemos enjeitar isso. E por culpas também do lado das empresas. O que temos tentado é ligar cada vez mais a Universidade às empresas.
 
VE – Como é que isso se faz?
ASP – Faz-se de variadíssimas formas. Foi feito agora, com a criação dos laboratórios colaborativos, uma medida estimulada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e pelo Ministério da Economia, em que se formaram parcerias entre as empresas e as universidades para desenvolver projetos de investigação concretos. Faz-se por exemplo, como foi noticiado nas últimas semanas, de que a UP ganhou um ‘Teaming’, ligado à área da Biodiversidade, que é, em termos globais, um dos projetos mais chorudos de sempre em Portugal em termos de investigação [aprovado pela Comissão Europeia no âmbito do Horizonte 2020]. E nesse projeto está contemplada uma verba substancial a obter através de parcerias entre universidades e empresas com a criação de cátedras financiadas por empresas. É uma parceria entre o CIBIO – Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da UP e a Universidade de Montpellier [França]. Nesse projeto estava prevista a angariação de 15 milhões de euros em parcerias com empresas portuguesas e estrangeiras e as coisas estão a correr tão bem que já estamos em 22 milhões. E com perspetivas de mais. Ou seja, desde que haja procura por parte da UP, há empresas que estão na disposição de investir na UP para retirar daí benefícios mútuos. Portanto, são estes modelos de relacionamento que têm de ser desenvolvidos.
 
VE – Volto atrás, aos laboratórios colaborativos. Como funcionam?
ASP – São instituições novas, juridicamente autónomas, em que universidade colabora, é parceira, mas em que a maioria do capital está obrigatoriamente do lado das empresas. São criados com um fim específico de desenvolver projetos numa área de conhecimento muito restrito.
 
VE – Mas implica a criação de novas estruturas físicas?
ASP – Não, não implica a criação de nada. Implica a criação de uma entidade com personalidade jurídica, que pode ficar sediada numa empresa. E fica, normalmente. E não tem de fazer nada de novo. Apenas aloca um espaço onde passa a funcionar a instituição laboratório colaborativo onde a universidade participa, no qual eventualmente participam institutos de investigação ou mais empresas. Agora, a maioria do capital tem de ser do lado das empresas. E há financiamento público através do Ministério da Ciência e do Ministério da Economia para desenvolverem esses projetos de investigação. 
 
VE – E as empresas estão a aderir?
ASP – Estão. Na UP já criámos múltiplos laboratórios colaborativos em múltiplas áreas. Alguns com grandes empresas, por exemplo a Galp, que é um gigante, outros com pequenas empresas de todos os setores, desde o agroindustrial ao das energias renováveis e à robótica. Mas os laboratórios colaborativos já criados têm por trás histórias de relacionamentos existentes e que agora estão a ser direcionados no sentido de terem o acento tónico na vertente empresa. Agora, temos de investir é nas empresas que ainda não têm este relacionamento com a universidade. O universo ainda é pequeno, queríamos que fosse a região toda e que isso promovesse o seu desenvolvimento para um patamar de atividade económica diferente.
 
VE – Quantas empresas já colaboram com a UP?
ASP – Neste momento já temos um programa doutoral totalmente financiado por empresas na área da Veterinária, Ciência Animal, muito ligado a todas as fábricas de rações, de dispositivos, etc. E temos na Faculdade de Engenharia um programa grande. No conjunto, deve haver para cima de 100 empresas envolvidas. O que é pouco.
 
VE – O ano passado, o Governo reduziu em 5% o número de vagas nas universidades de Lisboa e Porto. Que efeitos práticos houve? Sei que é muito crítico da medida. 
ASP – Sou. Sou. Eu diria que existem estudos para todos os gostos. Há os que demonstram que a diminuição no número de estudantes nas universidades de Lisboa e Porto se refletiu no número de estudantes nas universidades privadas e há os estudos que pretendem demonstrar que houve alguns alunos desviados para universidades do interior. Não me parece que tenha havido alunos desviados para universidades do interior. E aquilo que se perfila neste momento é haver uma política muito mais seletiva no próximo ano, que inclusive vai permitir à UP aumentar o número de vagas num número grande de cursos. Nós temos cursos que, em boa verdade, não tinham alternativa noutro lado e que tiveram redução – que foi cega – e que prejudicou objetivamente muitos jovens que não puderam seguir o curso que gostavam. Bioengenharia, por exemplo, que é o curso com nota de entrada mais alta na UP e que teve um corte sem sentido porque não há mais nenhum curso de Bioengenharia no país. E os alunos que foram impedidos de entrar aqui foram obrigados a ir para segundas opções. Mas repare: os 5% são um número fantasioso. A UP teve 5% de corte, mas houve cursos que estiveram protegidos do corte, como as medicinas, porque a lei dizia que o corte não se aplicava à Medicina. Ora, como os dois cursos de Medicina são muito grandes em volume de alunos, isto significou que, nos outros cursos, o corte foi entre 6% e 7%. Teve um efeito prejudicial. E o Ministério chegou à conclusão que foi bastante prejudicial, em especial para a UP, que tem índices de procura muito elevados. As médias de entrada na UP não têm nada a ver com as médias de entrada na Universidade de Lisboa. As nossas são muito altas em todos os cursos e o corte teve um efeito bastante destrutivo aqui.
 
VE – A situação vai ser revertida?
ASP – Estou convencido de que o despacho orientador que deverá sair esta semana [semana anterior] ou para a semana [esta semana] vai reverter e acabar com os cortes indiscriminados. E, no caso da UP, o que sei é que vai haver um grande conjunto de cursos que vão poder não só recuperar os 5% cortados o ano passado como eventualmente ter um aumento de vagas.

Universidade do Porto integra consórcio com quatro universidades europeias

 
Depois da eleição, em abril de 2018, de António Sousa Pereira como reitor da UP, foi aprovada uma “reorientação estratégica” no sentido de internacionalizar mais a Universidade e de a focar em “mercados preferenciais” da diáspora, nos países de expressão portuguesa, na América do Sul e na Ásia. Na Europa, acaba de ser aprovado um consórcio com mais quatro universidades de França, Suécia, Alemanha e Hungria. António Sousa Pereira quer que, “quando [este consórcio] estiver em velocidade de cruzeiro, 50% dos alunos dessas universidades circulem entre elas”.
 
VE – Um dos pontos do seu programa para a UP é o reforço da internacionalização. Uma universidade como a do Porto ainda não está suficientemente internacionalizada?
ASP – Não. Vamos lá ver. A UP é talvez a universidade mais internacionalizada do país. Temos 19% de alunos estrangeiros. A média nacional creio que anda nos 11% e nós estamos quase no dobro da média nacional em termos de internacionalização. Agora, claramente isso para nós é pouco. Queremos mais. Queremos ser uma universidade que se afirme internacionalmente como de referência. Estamos extremamente bem cotados nos rankings internacionais, queremos que a venda de conhecimento seja uma das componentes da UP. Primeiro, para lutar contra a descida da taxa de natalidade, que tem os seus efeitos destrutivos.
 
VE – Já se nota?
ASP – Já se nota, como é óbvio. O ano passado, no 12º ano, tivemos menos 15 mil alunos e este ano vamos ter uma descida que vai para 5000 alunos e isto vai ter efeitos destrutivos, porque também está a haver algum insucesso no ensino secundário na captação de alunos. O número de alunos no ensino secundário que desiste e que declara à cabeça que não quer vir para o ensino superior não tem diminuído. E, não tendo diminuído, vamos ter um mercado mais apertado.
 
VE – Mas quando fala em internacionalizar a UP, fala de quê? De captação de alunos estrangeiros, da exportação de alunos e de parcerias com universidades estrangeiras?
ASP – Estou a falar de tudo. De parcerias com universidades estrangeiras, de contratação de professores estrangeiros que tragam novas culturas para a UP, do recrutamento de estudantes e do esforço que temos de fazer de enviar também estudantes nossos para o estrangeiro, para que aqueles que têm uma cultura mais diversificada e abrangente tenham à saída da UP um conhecimento de realidades diferentes que lhes permita serem profissionais mais competentes e de visão mais alargada.
VE – E que medidas está a tomar para por em prática esta visão?
ASP – Temos investido na captação e fizemos uma reorientação estratégica da política da UP no sentido de a focar em mercados preferenciais. O mercado da diáspora é importante junto das comunidades portuguesas, depois temos o mercado dos países de expressão portuguesa, temos na América do Sul três ou quatro países-alvo que nos interessam particularmente, temos países asiáticos que também nos interessam e temos de fazer um esforço muito grande de dar oportunidade aos nossos estudantes de irem conhecer outras realidades. Nesse sentido, fizemos um consórcio com quatro universidades na Europa, que visa precisamente fazer com que, quando estiver em velocidade de cruzeiro, 50% dos alunos dessas universidades circulem entre elas. E os professores também. São elas: a Université Paris-Saclay, em França (que já por si é um consórcio de universidades [nas áreas das Ciências e Tecnologia] e que se posiciona para, dentro de cinco/seis anos, ser uma das dez melhores do mundo); a Lund University, na Suécia [terceira melhor universidade do país e 98.ª no ranking THE World University Rankings]; a Ludwig Maximilian University, em Munique [a terceira maior universidade da Alemanha]; e a University of Szeged, na Hungria [601-800 do mundo no ranking THE].

 


TERESA SILVEIRA teresasilveira@vidaeconomica.pt, 20/06/2019
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