“Soluções de previsão de tesouraria são essenciais para as empresas”;

Bruno Sales (Milestone Consulting) indica
“Soluções de previsão de tesouraria são essenciais para as empresas”
Bruno Sales é especialista em design, desenvolvimento e implementação de soluções de tesouraria na Milestone Consulting.
Ter soluções de previsão de tesouraria é essencial para as empresas que operam no mercado português, de acordo com Bruno Sales, especialista em design, desenvolvimento e implementação de soluções de tesouraria na Milestone Consulting. Um dos problemas da economia portuguesa são os prazos de pagamento demasiado alargados, os quais, muitas vezes, resultam em incumprimentos. “Para antecipar estes atrasos, são essenciais, para além do conhecimento do mercado e dos clientes, soluções de previsão de tesouraria, gestão de cobranças e business intelligence, que permitam prever atrasos face a prazos de recebimento já de si dilatados”, refere o especialista, em entrevista à “Vida Economica”. 
 
Vida Económica – As empresas tiveram, durante anos, problemas de tesouraria. O problema ainda se mantém?
Bruno Sales – Como ponto prévio, acho importante clarificar que existem dois tipos principais de problemas de tesouraria: o mais conhecido é o da falta de liquidez, mas existe um outro não menos relevante, que se prende com a falta de eficiência dos processos. Começando pelo primeiro, há empresas que constantemente operam “no negativo”, pelo seu próprio modelo de negócio, por exemplo por terem prazos de recebimento mais longos que os prazos de pagamento médios, recorrendo muito a linhas de crédito, descobertos autorizados e outros tipos de financiamento bancário. No entanto, isto não nos dá, só por si, uma indicação sobre a saúde da tesouraria, dado que este tipo de problemas podem ser endereçados através de uma eficiente gestão dos processos operacionais de tesouraria. Para além disso, hoje em dia, muitas empresas têm ainda que lidar com o risco de default dos seus clientes, embora já existam soluções tecnológicas que permitam conhecer o risco de cada cliente de forma rápida e que auxiliem em processos como o da classificação e determinação do limite de crédito a atribuir aos clientes, já para não falar em outro tipo de soluções não tecnológicas e disponíveis há largos anos, como seja o recurso ao seguro de crédito.
Relativamente ao segundo problema, relacionado com o nível de proficiência dos processos, o que temos visto ultimamente é que, independentemente da forma como a tesouraria é gerida (no “positivo” ou no “negativo”), tem havido mais vontade e capacidade das empresas para investir no negócio e, mais concretamente, na otimizações dos seus sistemas de gestão de tesouraria, que é o mercado onde nós operamos. Isto vem aliado a um facto que nos parece bastante positivo que é o começarmos a ver, a pouco e pouco, a tesouraria a ser vista como uma área estratégica da empresa e não apenas como uma área meramente operacional que processa pagamentos e faz reconciliações bancárias, o que naturalmente conduzirá ao incremento de resultados tanto de eficiência operacional como financeira.
 
VE – Um dos problemas da economia portuguesa são os prazos de pagamento demasiado alargados. O que podem as empresas fazer para melhorar essa realidade, quais as principais soluções?
BS – Mais grave do que os prazos de recebimento demasiado alargados é o seu incumprimento generalizado, quer seja por dificuldades operacionais, quer por os atrasos nos pagamentos serem por vezes vistos como uma forma mais ou menos subtil de financiamento a taxa zero ou próximo disso. A eficiente gestão desta realidade, na maioria das empresas portuguesas, depende da sua capacidade de previsão do comportamento dos seus clientes e, naturalmente, da sua capacidade financeira. Para antecipar estes atrasos, são essenciais, para além do conhecimento do mercado e dos clientes, soluções de previsão de tesouraria, gestão de cobranças e business intelligence, que permitam prever atrasos face a prazos de recebimento já de si dilatados. Assegurar uma adequada visibilidade sobre fluxos previsionais é um dos grandes objetivos dos nossos projetos e temos a experiência que, através destas soluções, conseguimos dar informação às tesourarias que lhes permitem otimizar o seu “working capital” a cada momento.
Na vertente dos pagamentos, estas soluções, aliadas a uma capacidade de alteração de processos de negócio, permitem ainda assegurar uma melhor gestão dos processos operacionais da própria empresa, nomeadamente simplificar os processos burocráticos de registo e aprovação de faturas, evitar pedidos de fornecimentos antes da encomenda formal ser registada, simplificar o processo de aprovações de pagamentos, entre tantos outros. Há já, desde há alguns anos, mecanismos para otimizar esses processos, quer do ponto de vista do próprio processo de negócio como do ponto de vista tecnológico e temos trabalhado com muitas empresas para os ajudar neste sentido.
 
VE – A tecnologia tem auxiliado as organizações a evoluir os seus sistemas de gestão de tesouraria?
BS – Sem dúvida. Vejo três pontos que me parecem ser fundamentais.
Um é a integração dos sistemas de gestão de tesouraria TMS – Treasury Management Systems. Durante muitos (demasiados) anos, vimos empresas com TMS a operarem de forma quase isolada e desintegrada dos outros sistemas das empresas e mesmo dos próprios bancos, tornando difícil ter uma previsão de tesouraria de curto prazo de forma assertiva. Isto era o que acontecia, grosso modo, antes de 2010. Mais recentemente, começámos a ver a integração destes sistemas através de interfaces, mas continuávamos a ter o problema da escalabilidade da comunicação com os bancos, já para não falar da dificuldade de gestão desses interfaces com os bancos e com os sistemas a montante da tesouraria. A partir de 2014 começámos a ver uma maior tendência para os TMS completamente integrados e com informação online quer proveniente de outras áreas da empresa como dos próprios bancos. Isto permite uma visibilidade em quase “real time” da posição bancária e da previsão de tesouraria de curto prazo
Outro ponto fundamental é a capacidade de processamento de informação. É gigantesca a quantidade de dados gerados por qualquer empresa. Em Portugal, começamos agora a ter a perceção de que esses dados contém informação útil para a gestão, desde que devidamente “domados”. Até há poucos anos, seria impossível tentar fazer o que quer que fosse com esta quantidade de dados porque os sistemas não estavam preparados para os trabalhar em tempo real. Isso mudou recentemente com tecnologias como bases de dados “in-memory”, big data.
Por fim, o terceiro ponto fundamental é a melhoria na usabilidade dos TMS, mas com níveis de segurança reforçados. Até muito recentemente, era impensável fazer pagamentos sem ter que fazer login nos sites de homebanking e usar os cartões-matriz de cada banco. Se um administrador tinha de aprovar um pagamento mais avultado, tinha de estar disponível no escritório, alguém o avisar de que um pagamento precisa da aprovação dele, pegar na sua “caderneta” de cartões-matriz, fazer login nos sites de cada banco para aprovar o pagamento. Hoje em dia, é possível estar na rua, de visita a um cliente, e aprovar esses pagamentos no telemóvel, mantendo ou em alguns casos até melhorando a segurança do processo. Adicionalmente, e tendo como ponto de partida também a capacidade de processamento de informação de que falei antes, alguns TMS já permitem fazer “dashboards” para consulta de informação de qualquer lado. É a informação acessível de forma condensada, em qualquer lado e em quase tempo real
 
VE – De que maneira estão a ser dadas respostas a estas necessidades?
BS – Vários fornecedores de software, nomeadamente a SAP (que é já desde há muitos anos o ERP de eleição das maiores empresas), estão a investir fortemente em melhorar as suas soluções de tesouraria ao nível da cobertura funcional de processos, da integração, da usabilidade e da capacidade de processamento. Os bancos estão a oferecer cada vez mais serviços que podem ser capitalizados numa solução de comunicação bancária. Já é possível, por exemplo usando o canal SWIFT – o canal interbancário mais usado no mundo – ligar grupos empresariais (“corporate”) aos bancos de forma direta e com um preço extremamente competitivo. Ainda assim, existem especificidades de determinados mercados; alguns processos podem ainda não ser completamente cobertos do ponto de vista funcional; e alguns bancos podem não prestar os serviços de que as empresas precisam de um ponto de vista da integração com os seus sistemas. Aqui é necessário que outras empresas consigam fazer a “ponte”, através do desenvolvimento de soluções próprias, integradas e complementares às dos fornecedores de software e também que façam um trabalho muito próximo com os bancos no sentido de os aproximar às empresas de um ponto de vista tecnológico. Em Portugal, é isto que a Milestone tem vindo a fazer, através do desenvolvimento de várias soluções e de ter este contacto com os bancos para lhes indicar quais as novas tendências do mercado e aquilo que as empresas estão a começar a pedir. Posso dar como exemplo disso a possibilidade de saber em quase “real time” se determinado pagamento foi aceite pelo banco (as chamadas mensagens de “retorno” ou “status”). Até muito recentemente, nenhum banco nacional disponibilizava esta informação, hoje já conseguimos que alguns bancos o consigam fazer e isto é uma evolução muito significativa no fluxo de trabalho de uma área de tesouraria, que não precisa de consultar o homebanking para saber se determinado pagamento foi processado. Ou outro exemplo é uma tecnologia em que a SWIFT está a começar a trabalhar com os bancos e que consiste na possibilidade de fazer “tracking” de pagamentos e recebimentos (especialmente os “cross-border”, por serem normalmente mais morosos e por poderem passar por várias entidades bancárias) para que as empresas possam ter a noção de em que sítio do mundo os fundos ficaram retidos e quanto tempo se prevê que seja necessário para os fundos chegarem ao seu destino. É muito semelhante ao processo de seguimento das encomendas que as transportadoras habitualmente disponibilizam, só que adaptado à tesouraria.
 
VE – O que está a ser feito a este nível na Europa, Península Ibérica e Portugal?
BS – Fizemos recentemente um evento dedicado à Tesouraria e tivemos a oportunidade de ter a Sovena (uma empresa de produção de óleos alimentares que recentemente fez um projeto connosco de implementação de um TMS baseado em SAP), a SWIFT (uma cooperativa bancária responsável pelo principal canal de comunicação bancária no mundo) e a Zanders (uma empresa holandesa de consultoria dedicada exclusivamente a tesouraria) a falar sobre Portugal e o resto da Europa, o que nos trouxe uma visão sobre a realidade europeia que muitas pessoas não têm. Temos visto em muitas empresas em Portugal, tanto de média como de grande dimensão, que existe uma preocupação com a automatização da comunicação bancária, com o ter num único cockpit toda a informação sobre posição e previsão de tesouraria e tomar decisões sobre isso (nomeadamente ter a possibilidade de mobilizar fundos entre contas bancárias, negociar contratos de cobertura cambial, entre outras) e, em geral, uniformizar os processos de gestão de tesouraria por todo o grupo (necessidade muito mais vincada em grupos presentes em várias geografias). A SWIFT mostrou, por exemplo, o número de grupos empresariais ligadas aos bancos pelo seu canal bancário. Ao todo, são 2071 grupos empresariais, dos quais 82 são em Espanha e nove são em Portugal. Foi, e continua a ser feito, um claro investimento na automatização da comunicação com os bancos. Uma outra coisa que penso que surpreendeu algumas pessoas no evento foi o facto de a SWIFT ter demonstrado que tem soluções para “corporates” muito acessíveis em termos de custo (ao contrário de uma ideia generalizada que por vezes está na cabeça das pessoas) e com elevados padrões de segurança e fiabilidade
A Zanders falou das preocupações atuais das tesourarias no Centro e Norte da Europa que passam, por exemplo, por utilização de contas bancárias virtuais para facilitar a reconciliação das contas a receber; centralização de pagamentos e recebimentos através de processos PoBo (payments on behalf of) e CoBo (collections on behalf of); cash pooling interbancário (cross bank) e entre países (cross border); Robotic process automation (RPA), que permite automatizar e acelerar tarefas tradicionalmente mais manuais; utilização de modelos de análise preditiva, nomeadamente para a previsão de tesouraria
 
VE – Portugal compara bem com o resto da Europa?
BS – Diria que Portugal está neste momento a trilhar o caminho que foi feito no Centro e Norte da Europa há alguns anos. Para dar alguns exemplos: como referi anteriormente, no resto da Europa já muitas empresas estão ligadas aos seus bancos via SWIFT. Em Portugal, são apenas nove; No Centro da Europa, a integração de status de pagamentos no sistema das empresas é uma realidade para a quase totalidade dos bancos. Em Portugal ainda são poucos os bancos nacionais que disponibilizam esta informação; quase todos os grandes grupos europeus já implementaram uma tesouraria centralizada. Em Portugal, muito poucos grupos trabalham desta forma, embora haja já uma tendência para a centralização de pessoas (mas não de processos, que continuam a ser locais).
Apesar disto, vemos que há vontade de fazer mais e melhor, temos recorrentemente falado com clientes de todas as dimensões sobre formas de otimizar os processos de tesouraria e acho que estamos num bom momento para o fazer e aproximarmos Portugal daquilo que já é comum no resto da Europa. Vimos no nosso evento a Zanders ter alguns slides a apontar caminhos sobre “How to close the gap”, falando sobre o gap entre o que se faz em Portugal e o que se faz no Centro da Europa.
 
VE – A Milestone Consulting promoveu, recentemente, um encontro sobre o tema em Lisboa. O balanço é positivo?
BS – O balanço foi extremamente positivo. Tivemos muito boa adesão por parte das empresas que convidámos e isso demonstra a vontade que existe nas nossas empresas em discutir a Tesouraria. Houve muita interação entre os participantes e muitas questões colocadas aos nossos convidados, o que foi muito bom de ver. Nota-se que as empresas sentem falta de fóruns em que possam discutir entre si e que possam ver o que outras empresas fazem para resolver os mesmos problemas e também o que se faz pela Europa e quais as preocupações atuais. 
A Milestone também fez uma demonstração sobre um sistema integrado de gestão de tesouraria que cremos ter despertado bastante curiosidade em quem lá estava, mas o mais importante foi mesmo poder participar nas discussões, perceber quais as preocupações das empresas e mostrar que a Milestone pode contribuir para tornar os processos de tesouraria mais eficientes.
 
Aquiles Pinto aquilespinto@vidaeconomica.pt, 11/07/2019
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