PRR discrimina as PME e todo o setor privado;

Fernando Paiva de Castro, presidente da AIDA CCI, considera
PRR discrimina as PME e todo o setor privado
“Haverá um número significativo de empresas que poderá não sobreviver em resultado do agravamento económico decorrente da guerra na Ucrânia” – receia Fernando Castro. Em entrevista à “Vida Económica”, o presidente da Associação Industrial do Distrito de Aveiro afirma que os apoios governamentais, traduzidos em empréstimos, têm sido escassos e disponibilizados com grande atraso, não ajudando as empresas fortemente descapitalizadas.
A transição entre quadros comunitários criou um vazio nos incentivos ao investimento. Para Fernando Castro, o PRR tem sido discriminatório não só para as empresas mas para todo o setor privado. Portugal já recebeu da “bazuca”mais de 3300 milhões de euros mas apenas 44 milhões de euros foram pagos até agora às empresas privadas, enquanto as empresas públicas, receberam mais de 230 milhões de euros.

Vida Económica - A pandemia e os reflexos da guerra estão a ameaçar o crescimento e a sobrevivência das empresas?
Fernando Castro –
A resposta, infelizmente, não pode deixar de ser “sim”.
Trata-se de duas crises bastante graves, consecutivas, embora com caraterísticas algo diferentes.
A primeira, da Covid 19, porque alastrou muito rapidamente a todos os pontos do globo, com maior ou menor intensidade, sem que houvesse vacinas ou outro medicamento para a combater. Numa primeira fase afetou o consumo devido às medidas de confinamento que foram sendo decretadas e, numa segunda fase, passou a afetar a oferta, em consequência das disrupções que perturbaram os fluxos normais de produção devido ao encerramento de algumas empresas e da rutura de alguns stocks de matérias-primas (aço, níquel, zinco, cobre, algodão, gás natural e eletricidade.) e componentes fundamentais (semicondutores). A subida de preços desses bens gerada pela especulação, assim como a rutura da logística das cadeias de abastecimento, devido à rarefação e encarecimento anormal dos transportes marítimos, causou também perturbação significativa nos mercados.
Os efeitos desta primeira crise foram mitigados com alguns apoios, sobretudo para manter os postos de trabalho e proporcionar alguma liquidez. Esses apoios revestiram sobretudo a forma de empréstimos e ou moratórias de pagamentos, já que a descapitalização de inúmeras empresas portuguesas é um mal crónico.
Apesar de escassos e de terem demorado a chegar às famílias e às empresas, estas conseguiram enfrentar a crise de forma bastante meritória.
Porém, ainda os mercados não tinham feito os reajustamentos necessários e esperados, o Mundo foi surpreendido pela bárbara invasão da Rússia à Ucrânia.
O alarme causado por esta agressão teve reflexos imediatos e brutais, fazendo disparar os preços dos combustíveis fósseis – gás natural incluído – dos cereais, de oleaginosas e de variados metais que, por arrastamento, inflacionaram os preços em geral e, por sua vez, os juros dos financiamentos.
Naturalmente que este quadro não podia deixar de afetar o clima económico, desde a confiança dos investidores à normal atividade produtiva e ao poder de compra dos consumidores.
Os apoios governamentais entretanto disponibilizados, sempre com grande atraso e escassos, novamente traduzidos em empréstimos, não estão ao alcance de todas as empresas, devido à descapitalização crónica de que sofre uma grande parte delas, à burocracia que envolve o acesso a tais apoios – que não está ao alcance de um elevado número de micro e pequenas empresas ultrapassar – ou a alguns condicionalismos a que a aceitação desses apoios obriga, perturbando a normal gestão de outras empresas.
Se os efeitos negativos da primeira crise foram de certo modo contornados e adiados, o que pode ser constatado pelos baixos níveis de desemprego, receia-se bem que os efeitos da segunda crise, somados aos da primeira, deixem sequelas mais profundas no tecido empresarial, já que não se perspetiva para breve o final da guerra e os prejuízos são já incomensuráveis e de reparação demorada. Daí recearmos que possa haver um número com algum significado de empresas que não conseguirá sobreviver.

VE - No caso concreto das empresas industriais da região de Aveiro, quais são as maiores ameaças?
FC –
No imediato, são as relacionadas com o agravamento brutal dos custos energéticos e os de algumas matérias-primas a par com a dificuldade na sua aquisição, assim como as ameaças relacionadas com a mão-de-obra (falta e encarecimento) e a redução da liquidez das tesourarias, associada à subida de juros e às crescentes dificuldades de financiamento.

VE - Apesar da situação de incerteza, o cenário atual apresenta novas oportunidades para as empresas?
FC –
É verdade que, mesmo em períodos de crise, sempre surgem oportunidades que devem ser exploradas. Para tanto, é necessário estar atento aos mercados, ter a perspicácia necessária para as vislumbrar, ter capacidade de inovação e de adaptação ou de reinvenção. A necessidade aguça o engenho, lá diz o velho ditado.

Aliança de esforços

VE - No atual contexto, o associativismo é mais importante que nunca na defesa do legítimo interesse das empresas?
FC –
O associativismo é importante em qualquer contexto, sobretudo quando o tecido empresarial é constituído em mais de 99% de micro, pequenas e médias empresas. O voluntarismo dos nossos empresários tem limites e nem sempre é suficiente, assim como o individualismo conduz a um esgotamento mais rápido das resistências. Várias vozes falando em uníssono fazem-se ouvir melhor do que desgarradamente, assim como há soluções que, quando tomadas em conjunto, são mais fáceis de executar.
A missão das associações é a de encontrar respostas para satisfazer necessidades comuns e colaborar na sua concretização.

VE - Em sua opinião, as políticas públicas deveriam estar mais orientadas para o setor produtivo?
FC –
Sem dúvida! É incompreensível que os governantes não consigam delinear políticas económicas de médio/longo prazo que possam nortear os nossos empresários e muito mais incompreensível que persistam na obsessão ideológica de negligenciar o papel da iniciativa privada, para além de privilegiarem a despesa pública e o apoio ao consumo, distribuindo apoios para além da produtividade gerada pelo tecido empresarial.
A espinha dorsal da economia de qualquer país é constituída pelas empresas e quanto mais fortes elas forem mais resiste a economia e maior é o bem-estar das pessoas. São as empresas privadas que geram e distribuem riqueza, garantem os postos de trabalho, pagam os impostos que sustentam o setor público (saúde, ensino, justiça, empresas públicas, recursos humanos e investimento público e dívida pública).

PRR discrimina setor privado
VE - Ao concentrar os recursos no investimento público, o PRR descrimina de forma negativa as PME?
FC –
O PRR descrimina não só as PME mas todo o setor privado. E a execução que vem sendo feita demonstra-o à saciedade, com os míseros recursos que até agora fez chegar às empresas. De mais de 3300 milhões de euros que Portugal já recebeu da “bazuca”, apenas 44 milhões de euros foram pagos até agora às empresas privadas, enquanto as empresas públicas receberam mais de 230 milhões de euros! E não podemos esquecer o “donativo” do OE à TAP de mais de 3200 milhões de euros e dos 1800 milhões já prometidos à CP! Não há palavras para qualificar tal procedimento!
Por outro lado, os milhares de candidaturas privadas amontoam-se durante meses, à espera de análise e despacho. Toda a prioridade vai para as autarquias e demais setor público.

VE - Neste período de transição entre o anterior e o novo quadro comunitário não existem incentivos ao investimento privado. Seria desejável criar rapidamente um programa nacional, com ou sem financiamento europeu, para apoiar o investimento?
FC –
Não só seria desejável como já deveria estar criado há muito, até para dar aplicação às verbas do “PT 2020” que ainda estão disponíveis e que deverão estar aplicadas até ao final de 2023.

VE - Tendo em conta que as empresas portuguesas estão confrontadas com custos de contexto elevados e excesso de obrigações declarativas, seria necessário racionalizar e simplificar os processos seguindo as regras que se aplicam na maioria dos países europeus?
FC –
Essa é uma questão recorrente desde há demasiados anos. Se a Comissão Europeia é acusada de ser demasiado burocrática, então nós temos tendência para complicar cada vez mais.
Na recente reunião de Conselho de Presidentes da BusinessEurope, realizada em Estocolmo – onde a CIP esteve representada – um dos apelos lançados foi precisamente para que fosse feito um grande esforço na contenção das iniciativas regulatórias e uma redução das obrigações declarativas que consomem energias, tempo e desviam os empresários do foco dos negócios. Oxalá o apelo seja ouvido não só em Bruxelas, mas sobretudo cá em Portugal.
Susana Almeida, 09/12/2022
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