De cantina fabril a restaurante e bar;

Novas moradas no bairro cool de Lisboa, Marvila
De cantina fabril a restaurante e bar

Existe um bairro em Lisboa, cujo carisma tem vindo a atrair cada vez mais pessoas, para trabalhar, para se divertirem, mas sobretudo para ambas ao mesmo tempo. Falamos de Marvila.
No edifício onde antes se movimentavam milhares de operários, outrora Sociedade Abel Pereira da Fonseca, juntam-se hoje criativos, em espaços de cowork, e, mais recentemente, experimenta-se pizza à siciliana, no “Refeitório do Senhor Abel”, e bebem-se cocktails, no “Baar Heterónimo”. 

O “Sr. Abel” volta a ganhar protagonismo por estes dias em Marvila. É que precisamente no edifício da autoria de ManuelJoaquim Norte Júnior - recuperado quando a Expo 98, na Praça David Leandro da Silva, bem no centro de Marvila Velha -, onde a Sociedade Abel Pereira da Fonseca armazenava o vinho produzido na zona do Bombarral, que depois seguia rumo ao Ultramar, hoje, o pizzaiolo, Mastro Roberto, prepara a pizza à siciliana, no restaurante "Refeitório do Senhor Abel", e o bartender, Sandro Pimenta, trata da “mixologia” dos cocktails no "Baar Heterónimo".

Este é o mesmo “Sr. Abel” que Fernando Pessoa tantas vezes referia quando ia beber um cálice de aguardente a um dos estabelecimentos de Abel Pereira da Fonseca como, por exemplo, a Licorista, fundada em 1920 pelo “Sr. Abel”, enquanto Companhia Portugueza de Licores, na Rua dos Sapateiros, local em que se bebida a “trombadinha” (aguardente) e o "marujo" (ginja) e que ainda hoje funciona como restaurante.

O "Baar Heterónimo" é, como o nome indica, uma homenagem ao escritor Fernando Pessoa. Com cerca de 25 lugares, mantém a barra original da antiga taberna, que chegou a funcionar no local, e permite, como no passado, apreciar um copo de vinho, uma cerveja, mas agora também cocktails mais elaborados. A sugestão do bartender  Sandro Pimenta, para a Vida Económica, recai no “Aperitivo à Moda do Abel” (8), feito de com Campari, Martini Bitters e Ginger Beer.

O Heterónimo e o Refeitório representam um investimento de cerca de 200 mil euros e empregam hoje 8 pessoas, entre os quais se destaca Roberto, o pizzaiolo acrobata, nascido na Sicília, no seio de uma família de cozinheiros. Começou a dedicar-se à restauração com apenas 14 anos num dos restaurantes da família.
Depois de terminar os estudos, “fare la pizza” tornou-se a sua profissão. Ao longo do percurso passou por diversos países como o Dubai, a Suíça, a Inglaterra, Espanha e Alemanha. Formou, juntamente com os colegas pizzaiolos, uma associação na sua terra natal, Mazara del Vallo – a Acrobatic Pizza World -, cujo objetivo é a especialização em impasti (massa) mais saudável, com uma preocupação especial pela confeção, fermentação, maturação e cozedura de massas sem glúten e vários tipos de farinha de mais fácil digestão. Roberto é ainda formador de pizza acrobática e clássica, técnico especializado em farinha e, em 2016, foi campeão europeu de pizza clássica acrobática.
Em Portugal, Roberto quer “criar uma associação semelhante”, segundo confidencia durante a apresentação do Refeitório à Vida Económica.
Os vários tipos de farinha são de facto um assunto sério no Refeitório do Senhor Abel e Roberto oferece a possibilidade de escolher a “spadoni” (massa amadurecida 36-48 horas), por mais três euros em relação ao preço das pizzas que começa nos 7,50; massa 7 cereais; amarela com curcuma; cânhamo e 100% glúten free pizza (com farinha de milho, arroz e trigo sarraceno) que necessita de uma reserva de um dia de antecedência, assim como a de carvão vegetal para uma digestão mais facilitada.

Mas nem só de pizza vive o Refeitório, recomenda-se a “Burratina al Tartufo” (10,5), uma salada com legumes grelhados e queijo burrata, assim como os vários “carpacci” disponíveis na carta - de atum, peixe-espada, salmão, bresaola e boi, de 11 a 12,5.

Roberto veio de Berlim para se juntar ao Chefe de Cozinha Chakall, já proprietário de um restaurante na mesma praça de Marvila Velha, El Bulo. Porém, Miguel Tojal desafiou-o a juntar-se a ele e criar o Refeitório e o Heterónimo. Arquiteto de profissão, desde cedo que sentiu curiosidade pelo universo dos cocktails, acabando por se lançar como empresário na área dos serviços de bar.

A peça central na decoração do restaurante [65 lugares] e do bar também, mesmo que de forma mais discreta neste último, é da autoria do arquiteto.
Aquilo que começam por ser pedaços de madeira pregados junto ao balcão, vão formando um tronco de árvore, com folhas brancas de madeira no teto do restaurante que se desmultiplicam em folhas que parecem de papel, depois se tornam livros suspensos num espaço intermédio entre o restaurante e o bar, e, por fim, se trasnformam num livro aberto gigante no teto do Baar Heterónimo com poemas dos heterónimos de Pessoa.
No final da refeição, a conta é apresentada dentro de um livro antigo,
usualmente de título sugestivo. 

 

 

Dora Troncão, 04/02/2018
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