Aumento da população humana traz desafios e oportunidades ao setor avícola
O Centro de Congressos da Alfândega do Porto acolheu em maio o II Congresso Internacional de Avicultura – AVIS’19, promovido pela Associação Portuguesa de Engenharia Zootécnica (APEZ).
Participaram mais de 230 pessoas de todos os agentes da fileira e vários especialistas internacionais. Abordaram os recentes desenvolvimentos técnicos e científicos no setor avícola, o modo de criação de aves, a importância da segurança alimentar e bem--estar animal, a perceção pelos consumidores e a dificuldade da ciência em fazer passar a sua mensagem ao público.
Em entrevista à “Vida Económica”, Divanildo Monteiro, presidente da APEZ, não tem dúvidas: o aumento da população humana e a necessidade de duplicar a produção de proteína de origem animal até 2050 é “um desafio”. E traz “novas oportunidades” ao setor.
Vida Económica – Das múltiplas comunicações no Congresso, quais foram os pontos mais marcantes que
reteve?
Divanildo Monteiro – Destacamos o facto de a avicultura constituir um dos setores mais dinâmicos da produção animal. E, atualmente, a entrar em pleno e em grande na era da digitalização, na Zootecnia 4.0, se quisermos, na Zootecnia de Precisão. Esta evolução coloca enormes desafios aos intervenientes na produção, apelando a uma cada vez maior formação científica e técnica. É vital que as escolas possam acompanhar os desenvolvimentos e inovações diárias que surgem na gestão técnica e no maneio das explorações e preparem mais e melhores jovens.
VE – No último painel – "Avicultura e sociedade – Mitos e realidade: como comunicar com o consumidor e não deixar espaço para especulação" – falou-se na necessidade de comunicar melhor com o consumidor. Há falhas a esse nível?
DM – A sociedade atual, na sua polarização urbano versus rural, tende a não se compreender mutuamente. Nas sociedades ocidentais têm surgido grupos que humanizam os animais e, por isso, são terminantemente contra qualquer produção animal. Estes grupos omitem, não raras vezes, o conhecimento científico e recorrem à desinformação, a mitos e a mentiras. Dominam a agenda mediática, recorrem ao medo e agudizam as divergências.
O setor da produção animal falhou em vários aspetos durante muito tempo, mas deve ser reconhecido o enorme caminho que tem sido feito nas áreas da segurança alimentar, no respeito pelo bem-estar dos animais, na mitigação dos impactos ambientais e na melhoria da eficiência produtiva.
VE – Há alguma questão preocupante no setor avícola para a qual a APEZ tenha alertado as autoridades oficiais ou as empresas?
DM – O setor primário possui ainda um conjunto de limitações: a idade média dos agricultores e o seu limitado nível de formação, a necessidade de preenchermos melhor o território com empresas de produção animal, as decisões políticas relacionadas com as questões de bem-estar animal, ambientais, de segurança e consumo alimentar, nem sempre alicerçadas em conhecimento científico.
Depois, a estrutura fundiária da propriedade é, em alguns casos, uma limitação, que, aliada ao custo das terras, aos valores do investimento e às dificuldades no licenciamento, contribuem negativamente para a entrada de jovens técnicos no setor.
VE – Como avalia a produtividade das empresas portuguesas do setor avícola e a resposta que dão às necessidades de consumo?
DM – As empresas portuguesas apresentam genericamente excelentes índices produtivos e uma grande eficiência. A produção da carne de aves e de ovos é dos poucos setores em que apresentamos níveis próximos das necessidades de autoabastecimento. É, contudo, necessária a sua atualização, quer em termos de novas instalações, novos equipamentos e novos intervenientes, destacando-se o papel relevante dos jovens com formação superior em Zootecnia.
A carne de aves e os ovos são, do ponto de vista nutritivo, extraordinários alimentos. Acresce o facto de a sua produção ser das mais eficientes, pelo que podemos disponibilizar aos consumidores excelentes alimentos, a preços muito baixos e com impactos ambientais reduzidos.
VE – A ONU prevê que a população mundial, hoje em cerca de 7,6 mil milhões de pessoas, atinja os 9,8 mil milhões em 2050 e os 11,2 mil milhões em 2100. Que desafios se colocam aqui para o setor avícola?
DM – O desafio colocado a todos com o aumento da população humana, a melhoria do seu nível alimentar e a necessidade de duplicarmos a produção de proteína de origem animal até 2050 traz novas oportunidades a esta produção tão eficiente. As empresas portuguesas poderão explorar novas oportunidades de exportação, quer de carne, quer de ovos de consumo ou de ovos incubados ou pintos do dia.
Por outro lado, o surto de peste suína africana na Ásia, e nomeadamente na China, está a colocar enormes desafios à produção animal e alimentar no mundo. A substituição de carne de porco por outras carnes está a acontecer e poderá ainda aumentar. A avicultura tem aqui novos desafios e oportunidades.
E é necessário que os ‘media’ veiculem o conhecimento científico e a verdade.
Carne de aves e produção de ovos faturam mais de 1000 milhões Em Portugal, o volume de faturação do setor da carne de aves é superior a 850 milhões de euros, de acordo com os dados avançados à “Vida Económica” pela organização do II Congresso Internacional de Avicultura – AVIS’19. No que respeita aos ovos e ovoprodutos, o volume de negócios é superior a 150 milhões.
No conjunto faturam mais de 1000 milhões de euros e o setor emprega cerca de 25 mil postos de trabalho diretos, tendo um peso de 36,2% no valor líquido do setor das carnes. Representa cerca de 10% do Produto Agrícola Bruto nacional.
As últimas estatísticas agrícolas do INE referentes a 2017 (datadas de julho 2018) revelam que a produção de carne de animais de capoeira aumentou 5,3% naquele ano, com 389 mil toneladas (a produção total de carne situou-se nas 889 mil toneladas).
Já a quantidade de ovos de galinha ascendeu às 141 mil toneladas, ou seja, mais 1,4% face a 2016, sendo que 118 mil toneladas corresponderam a ovos para consumo (+1,6% face a 2016).
Produção e consumo de carne de aves na UE cresce 4% até 2030
A produção mundial de carne de aves tem vindo a aumentar de forma consecutiva nos últimos anos, ainda que a taxa de crescimento tenha vindo a desacelerar. Dados de 2018 divulgados pela FAO - Organização para a Alimentação e Agricultura, em 2017 a produção mundial de carne atingiu um total de cerca de 330 milhões de toneladas, mais 1% face a 2016.
Das várias espécies que contribuíram para este valor, a carne de aves representa o maior contributo, alcançando as 125 milhões de toneladas, mais 1,1% face ao ano anterior.
Em 2017 o aumento da produção de carne de aves nos EUA foi de 2,4%, 0,8% na Europa, contrastando com os crescimentos de 3% e 4% registados poucos anos antes, e de 7% na Federação Russa. Na China registou-se uma retração de 5,6% da produção, equivalente a menos um milhão de toneladas.
Já a exportação de carne de aves atingiu as 13 milhões de toneladas em 2017, sendo os principais países exportadores o Brasil, os EUA, a União Europeia e a Tailândia.
As previsões da DGAGRI - Direção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural da Comissão Europeia apontam para um aumento do consumo da carne de aves ‘per capita’ de 0,3% por ano na UE, atingindo 22,8 quilos ‘per capita’ em 2025.
Portugal registará o valor mais elevado da UE (39 quilos ‘per capita’ e com um autoaprovisionamento de 87,2%). A Comissão estima, aliás, que, no período de 2018 a 2030, a carne de aves seja a única a verificar uma expansão significativa no espaço europeu (cerca de 4%), quer na produção, quer no consumo.
O consumo ‘per capita’ de frango é de 27,1 quilos e 9,1 quilos de ovos. O setor da carne de aves apresenta um valor de 90% de autossuficiência. No entanto, o segmento da carne de frango e da produção de ovos de consumo é excedentário, com valores de autossuficiência de 103% e 104%, respetivamente.
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