“Os processos terão a dimensão e duração que as circunstâncias impuserem”
Angola está empenhada ma prevenção e repressão do branqueamento de capitais. – considera Hélder Grós. Em entrevista à “Vida Judiciária”, o Procurador Geral de Angola refere que o novo diploma publicado em Janeiro responde às novas necessidades de prevenção e repressão do branqueamento de capitais, terrorismo e proliferação de armas.
“Somos fiscais da legalidade” – salienta.
O Procurador Geral angolano valoriza a cooperação com a Justiça portuguesa e considera mais importante a qualidade da Justiça do que a velocidade na conclusão dos processos.
“Somos fiscais da legalidade” – salienta.
O Procurador Geral angolano valoriza a cooperação com a Justiça portuguesa e considera mais importante a qualidade da Justiça do que a velocidade na conclusão dos processos.
Vida Judiciária - Com a publicação e entrada em vigor da Lei n.º 5/2020, de 27 de Janeiro, em cumprimento de diversas convenções internacionais ratificadas pelo Estado angolano, prevê-se um conjunto de medidas de difícil implementação. Como encara a PGR a prontidão da resposta a dar pelo Ministério Público?
Hélder Gróz - Não cremos que se deva considerar “dificil” a implementação das novas determinações, bastando que se criem as condições para o efeito e que os órgãos vocacionados se empenhem nas mudanças e adaptações que se impõem, quanto mais não seja, porque o branqueamento de capitais, o terrorismo e a proliferação de armas há muito vêm sendo “combatidos”, tanto na vertente repressiva como na vertente preventiva. Somos fiscais da legalidade, por excelência. Logo, velamos o melhor que podemos pela observância das leis, tão logo são formalmente aprovadas para vigorar no nosso país.
VJ - Angola vive um momento de particular atenção face ao manifesto combate encetado a operações tipificáveis como criminalidade de natureza financeira. A complexidade das investigações pode provocar processos gigantescos e muito demorados, como acontece em Portugal. Esta é uma preocupação da Procuradoria-Geral da República? Se sim, quais as medidas para evitar tal e combater este tipo de criminalidade com eficácia?
HG - A complexidade das investigações merece o nosso respeito, mas não configura uma preocupação, na medida em que acreditamos na capacidade que o empenho coletivo nos proporciona, tanto na vertente interpessoal como na perspetiva interinstitucional, apesar da nossa carência quantitativa de quadros e da escassez de meios técnicos e tecnológicos com que nos debatemos. No que toca ao volume e “timing” dos processos, entendemos não dever ser um objetivo em si. Estamos preocupados com a qualidade do trabalho que apresentamos e com a nossa contribuição para a boa administração da Justiça. Os processos terão a dimensão e duração que as circunstâncias impuserem, dentro dos limites que a lei estabelece. A eficácia da prevenção e repressão à criminalidade económica-financeira depende em grande medida do investimento institucional que se faça e da envolvência social que se verifique no combate ao fenómeno corrupção.
VJ - Este novo diploma vem impor um elevado conjunto de regras a entidades financeiras e não-financeiras. De que modo se pensa criar os canais de comunicação directa com o Ministério Público para uma actuação célere e eficaz?
HG - Em boa verdade, os canais de comunicação entre a PGR e tais entidades existem e estão permanentemente abertos. O que devemos fazer é maximizar a sua exploração, para garantir maior eficácia. Não obstante, estaremos sempre empenhados na busca de formas mais expeditas de interação com os diversos órgãos e entidades.
Interesses a salvaguardar
VJ - A lei vem impor aos Advogados um conjunto de regras que podem colocar em causa o seu segredo profissional, consagrado no respetivo Estatuto. Não pode esta lei colocar em causa o exercício livre da advocacia? Foi ouvida a Ordem dos Advogados?
HG - Entendemos que todas as pessoas e instituições devem respeito aos superiores interesses que as leis visam salvaguardar, devendo prevalecer o princípio da concordância prática entre direitos ou interesses de igual dignidade, de modo que uns sejam observados com a menor restrição possível de outros. Acreditamos, no entanto, no mérito das diversas análises que antecederam à aprovação desta lei, que, como é regra, terá tido o cuidado de afectar o mínimo possível o exercício de quaisquer direitos, liberdades, garantias ou prerrogativas. A Procuradoria-Geral da República não é um órgão legislativo, não lhe cabendo definir os órgãos a consultar aquando da concepção das leis. O processo de auscultação prévia e colheita de contributos, a respeito de projectos ou propostas legislativas, é conduzido pelos órgãos encarregues da sua apresentação, não sendo o caso da PGR.
VJ - O Senhor Pprocurador Geral esteve recentemente em Lisboa, em reunião com a sua homóloga portuguesa. Como define o relacionamento e a disponibilidade para colaborar, manifestada pelo Ministério Público de Portugal?
HG - Deveras salutar e positiva. Angola e Portugal, a par da relação cultural e institucional cimentada ao longo dos muitos anos de história comum, ratificaram Convenções Internacionais, no âmbito da CPLP, que ambos os Estados têm feito por cumprir, reforçadas por Acordos e Memorandos de entendimento entre as respectivas Procuradorias-Gerais da República. Tudo faremos para preservar esse espírito de cooperação e ajuda mútuas com a nossa congénere portuguesa.
VJ - Está a ser pensada do ponto de vista organizacional a criação de equipas especiais do Ministério Público para investigação da criminalidade económico-financeira?
HG - A PGR tem órgãos específicos para o tratamento de questões dessa natureza, nomeadamente a Direcção Nacional de Prevenção e Combate à Corrupção (DNPCC), a Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP) e o Serviço Nacional de Recuperação de Activos (SENRA), que colaboram entre si e com os demais órgãos, na medida em que as situações concretas o requeiram. O trabalho em equipa tem sido privilegiado a todos os níveis, pois defendemos uma actuação coesa da nossa instituição e cremos piamente que juntos somos mais eficazes.
O dever da divulgação das leis
VJ - As entidades financeiras obrigadas estão sensibilizadas para os níveis de exigência colocados pela nova lei de combate ao financiamento do terrorismo e ao branqueamento de capitais?
HG - As leis são publicadas e, por vezes, têm um período que intermedeia essa publicação e a sua entrada em vigor, “vacatio legis” (que não ocorreu no caso concreto), precisamente para que seja do conhecimento de todos os destinatários em geral e dos diretamente visados pelo seu conteúdo, em particular. No entanto, uma das atribuições da PGR é precisamente a divulgação das leis, para aumento da consciência jurídica geral. Fazémo-lo o mais que podemos, com particular ênfase para as franjas e instituições a que os respetivos diplomas digam respeito. No demais, a prática de aplicação das normas postas a vigorar vai aprimorando os níveis de observância das respetivas leis.
Em Portugal, faz-se muito uma crítica à demora das investigações e ao término dos processos-crime, criando-se, de algum modo, uma sensação de impunidade para os visados.
VJ - De que forma o Ministério Público está consciente da generalização desses perigos e de que forma pensa agir para os evitar?
HG - É compreensível que se pretenda a Justiça cada vez mais célere, é uma cobrança social legítima, mas não deve ser, “de per si”, um objetivo dos órgãos que intervêm na sua administração. Outrossim, é a natureza das situações que dita a complexidade dos processos e, consequentemente, a sua duração. A nossa pretensão é sempre cumprir a nossa missão com a maior brevidade possível, mas a necessidade e o compromisso de bem fazer, de agir estritamente nos parâmetros legais, impõe limites à “velocidade” que se pode imprimir em cada caso concreto.
VJ - Tem ecoado exteriormente a ideia de um crescendo de violência em Angola, muita dela motivada por problemas financeiros muito graves por que tem passado a população. Concorda? Qual e como tem sido a articulação do Ministério Público com os órgãos de polícia criminal nesse combate?
HG - Percebemos que a situação económica seja uma variável a considerar na análise dos fenómenos sociais, mas não a legitimamos como fonte primária da criminalidade. Basta recordar que Angola já atravessou períodos de maior carência e de maior perturbação social, sem que no entanto a criminalidade tivesse “disparado” sob tal pretexto. Reconhecemos, contudo, que a conjuntura social pode propiciar a adoção de comportamentos tipificados como crime.
No entanto, entendemos que a causa primeira da criminalidade é a falha moral, a decadência dos valores morais da nossa sociedade. Daí que, a par das ações de natureza repressiva e reativa que a PGR desenvolve em coordenação com a Polícia Nacional e o SIC. Em particular, temos sido intervenientes ativos no processo de moralização da sociedade, agindo de modo preventivo e proactivo, contando, também nesta vertente, com a colaboração da Polícia Nacional, de outros órgãos estatais e da sociedade civil.