Pessoas Politicamente Expostas na Lei 5/2020. Breve análise.
Miguel Matias
Sócio RSA – Rede de Serviços de Advocacia
O crescimento do terrorismo e as dificuldades inerentes ao seu combate, não só ao operativo e directo mas também e sobremaneira, o mais oculto e, por isos, mais difícil de identificar, tem sido, nos últimos tempos um devir das sociedades contemporâneas.
Um sinal de mudança de paradigma e um sinal de que, afinal, Angola não quer fazer mais parte dos Países onde a corrupção e o consequente branqueamento dos capitais adquiridos por via criminosa não podem continuar a passar impunes foi manifestado através de legislação recente que urge, aqui, apreciar.
O combate ao terrorismo (vá-se lá saber se esta actual pandemia não tem também essa origem!!!) e o combate ao seu financiamento, têm constituído reforço de garantia de cidadania imposta pelas organizações internacionais a que, também Angola, pertence.
Foi por isso que, em boa hora, ratificou as Convenções das nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Narcotráficos e Substâncias Psicotrópicas, contra o Crime Organizado Transnacional e sobre a Supressão do Financiamento do Terrorismo, as quais recomendam a definição de um sistema optimizado de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais.
Foi por isso também que, no dia 27 de janeiro de 2020, sob o numero 5, foi publicada Lei da Assembleia Nacional visando exactamente essa prevenção e combate.
Já abordei noutros locais e momentos outras vertentes da Lei e sobre ela já pude lançar um olhar mais genérico.
Hoje, porque assim me parece importante, pela assunção de responsabilidades e atribuição de responsabilizações, entendo dever descrever, ainda que enunciativa e não exaustivamente, sobre as pessoas que, por terem assumido ou assumirem no momento da verificação dos factos, funções públicas proeminentes em Angola ou em qualquer País ou jurisdição ou em qualquer organização internacional.
Quero falar, claro está, das denominadas “Pessoas Politicamente Expostas” (PPE’s”) na denominação desta Lei e de muitas outras suas congéneres.
Falar em Pessoas Expostas, in casu, politicamente, traduzimos nós aquelas pessoas que, por força do exercício de funções publicas tenham uma posição de maior fragilidade às tentações dos perpetradores dos ilícitos visados com a Lei.
Explica-se bem a razão pelo facto, simples, de cada uma destas pessoas ter ou ter tido capacidade natural de influenciar, de intervir, de condicionar e de alterar decisões políticas que, em benefício de determinadas pessoas ou entidades subvertam os finas das normas tal como elas devem ser construídas. A obediência e respeito a princípios de igualdade, de equilíbrio social e de transparência.
São muitas as identificadas na Lei, nomeadamente no considerando 31 da mesma. Desde logo o mais alto Magistrado da Nação, o Presidente da República, o Vice-Presidente, o Primeiro Ministro, os Ministros, os Deputados, os Magistrados Judiciais e do Ministério Público dos Tribunais Superiores e da Relação cujas decisões, em regra, não sejam passíveis de recurso, os chefes das missões diplomáticas, membros de órgãos de administração e de fiscalização de empresas públicas e de sociedades de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos, membros das administrações locais e do poder autárquico, líderes de confissões religiosas, entre tantos outros.
De realçar que este normativo cobre, no nível de exigência e controle excepcionais, não só as PPE’s em si mesmas mas também os familiares e amigos mais próximos. Também se compreende a especial acessibilidade do meio.
Ao contrário das restantes pessoas, sejam elas singulares ou colectivas que vêm a sua actuação cair na alçada deste diploma, as PPE’s assumem perante o mesmo um conjunto alargado de contingências resultantes da causa da sua exposição como antes mencionado e não da actuação que possa ser controlável ou, de forma mais profunda ser considerada suspeita.
Também importa referir – pela natureza – não se restringir a noção de PPE’s a Cidadãos Nacionais, mas recaindo também a estrangeiros que exerçam ou tenham exercido funções publicas de relevo ou importância proeminente em território nacional.
Ao contrário de outras legislações similares, a Lei 5/2020 ora em apreciação não determina um tempo a partir do qual os “holofotes” da mesma deixem de incidir sobre as PPE’s.
Compreendo a intemporalidade pelas circunstâncias específicas vivenciadas no momento angolano, pela força importada pelo diploma e, claro, pelo conjunto de imposições internacionais (nomeadamente as do Banco Mundial), tudo para que, de facto e não só de Direito, o paradigma angolano mude de vez.
E o mudar de vez importa sinais!
Sinais dados pelas autoridades angolanas recentemente e visando a inexplicabilidade da alegada ou aparente utilização de dinheiros públicos em benefício próprio levada a cabo por algumas antes, elas sim, pessoas politicamente expostas (embora com legitimação à data questionável).
As obrigações decorrentes da lei e que incidindo sobre as PPE’s antes mencionadas, conferem às “entidades obrigadas” um leque de obrigações que se iniciam logo no momento da verificação da identidade, seja dos clientes, dos seus representantes, seja dos beneficiários efectivos das transações ou relações de negócio pensadas levar a cabo. Será, portanto, num momento anterior e logo que exista manifestação de intenção de realização das operações que devem dar-se início as obrigações.
Mas, como se vem de dizer e quento às restantes, as medidas, também elas passíveis de reforço, dizem directamente respeito ao negócio, no que diz respeito às PPE’s as medidas de diligência acrescida que obrigam as entidades descritas na Lei, dizem respeito a elas próprias.
Devem ser acrescidas as medidas de diligência quanto à relações de negócio ou quanto às transações ocasionais que envolvam PPE’s, devendo as entidades obrigadas dispor de procedimentos adequados baseados no risco, para determinar, apurando, se o cliente, o representante, o beneficiário efectivo, podem ser classificados como PPE’s. Devem também tomar medidas que se mostrem necessárias para determinar a origem do património e dos fundos envolvidos nas relações de negócio ou nas transações ocasionais com PPE’s.
Aqui surge um aflorar das obrigações de declaração que devem recair, ainda que projectivamente sobre o património dos titulares de cargos políticos e que tanta tinta tem feito correr noutras jurisdições, como a portuguesa onde, a inversão do ónus de demonstrar a origem lícita do património tem sido um entrave ao estabelecimento de normativos capazes de controlar, impedindo, posições patrimoniais injustificadas.
Devem, também, as entidades obrigadas, sejam do sector financeiro ou não, efetuar um acompanhamento contínuo e acrescido das relações de negócio que envolvam PPE’s, directamente ou em situações de co-participação em posições sociais.
Por ultimo e concretizando o antes aflorado, diga-se que o regime reforçado que se vem de aflorar deve continuar a aplicar-se a quem, tendo deixado de ter a condição de PPE’s, continue a representar um risco acrescido de branqueamento de capitais, de financiamento do terrorismo e de proliferação de armas de destruição em massa devido ao seu perfil ou à natureza das operações desenvolvidas.
Claro está que estas medidas necessitam da criação, por parte das entidades obrigadas de um apport técnico e tecnológico que lhes permita – em tempo – sindicar todas as condições. Esta será, ao lado da formação a que as entidades (como em Portugal) se encontram obrigadas, a maior dificuldade de implementação efectiva da Lei, muito a par do quem vem acontecendo noutras geografias.
Termino como comecei: Com esperança!