“Greenwashing” – o lado negro da sustentabilidade
Diana Ribeiro Duarte
Sócia da Morais Leitão
Pedro Capitão Barbosa
Associado Principal
da Morais Leitão
Manuel Bragança Santos
Advogado Estagiário
da Morais Leitão
I. Introdução
O anglicismo “greenwashing” foi concebido pelo ambientalista nova-iorquino Jay Westerveld num estudo de 1986 em relação à prática da indústria hoteleira de colocar avisos nos quartos promovendo a reutilização das toalhas de banho pelos hóspedes como forma de reduzir o gasto de água e, assim, “salvar o ambiente”(1).
Deste estudo resultou que o esforço empregue por parte dos hotéis para reduzir os desperdícios de água e de energia era muito reduzido, mas que, apesar de tudo, a reutilização das toalhas por parte dos hóspedes poupava drasticamente os custos de lavandaria.
Na sequência deste estudo, Jay Westerveld conclui que o verdadeiro objetivo final dos hotéis seria apenas o de aumentar o lucro, utilizando o termo “greenwashing” ou “lavagem verde” para definir os comportamentos lucrativos que se dizem sustentáveis, mas que são, na realidade, inócuos de um ponto de vista da sustentabilidade.
Ao mesmo tempo que se verifica uma crescente sensibilização da população mundial para os riscos relacionados com a proteção dos direitos humanos e do meio ambiente, por um lado, e o aproveitamento do “marketing verde” e dos proveitos económicos a isso associados decorrentes da utilização da sustentabilidade em produtos que carecem dessas características, por outro, invoca perguntas importantes no âmbito da ética empresarial.
Desde o aprofundamento e a acessibilidade ao conhecimento ambiental à cobertura mediática e, acima de tudo, à introdução de nova legislação, a possibilidade de regulação das práticas sustentáveis nunca foi tão presente.
A tendência atual do aparecimento e crescimento de produtos e serviços “verdes” proliferou no setor financeiro, através da popularização da aplicação de critérios de ESG(2) (ambientais, sociais e de governação) por parte dos intervenientes nos mercados financeiros e na identificação de riscos materiais e oportunidades de crescimento nos fundos de investimento e produtos financeiros.
Assim, o risco financeiro associado a um determinado produto financeiro ou empresa (ou mesmo a sua elegibilidade para integrar o balanço de certos investidores institucionais) é influenciado, hoje em dia, pelo reflexo direto do preenchimento dos critérios de ESG empregues pelos gestores de ativos na avaliação dos seus produtos e serviços.
Como veremos, a entrada em vigor de diversos pacotes de legislação europeia tornou a divulgação das métricas de ESG empregues pelos gestores de ativos nos relatórios financeiros, obrigatória. Contudo, estas divulgações dependem largamente dos dados e das informações fornecidos pelas próprias empresas do portefólio.
Por outro lado, a ambiguidade e o caráter vago dos critérios usados para a definição de produtos como “verdes” dá azo ao fenómeno de “greenwashing”, na medida em que um produto, sendo divulgado como verde, na realidade, pode sê-lo ou não, dada a impossibilidade de determinação consoante critérios objetivos.
II. Tipos de “Greenwashing”
De acordo com um famoso estudo elaborado pela TerraChoice(3), as principais práticas de “greenwashing” podem agrupar-se em sete tipologias, denominadas como os “sete pecados do greenwashing”(4) (the seven sins of greenwashing):
1. O pecado da ocultação de informações – ocorre quando há a sugestão de que um produto é ecologicamente sustentável, mas na sua classificação não são tidas em consideração as diferentes etapas do processo para obtê-lo, como por exemplo o gasto de energia, a emissão de CO2 e a poluição de recursos hídricos;
2. O pecado da ausência de provas – decorre da inexistência de uma certificação ou forma de comprovação dos impactos positivos do produto no ambiente;
3. O pecado da imprecisão – ocorre quando as informações disponibilizadas sobre os produtos são mal definidas ou podem dar azo a interpretações erróneas por parte dos consumidores. Assim, podem destacar-se práticas como os rótulos que garantem produtos “100% naturais”, mas que contêm substâncias como mercúrio. O mercúrio, apesar de ser efetivamente uma substância natural, é altamente venenoso para o ser humano, bem como para a fauna e a flora;
4. O pecado da irrelevância – ocorre quando as empresas fazem uma declaração ambiental que, apesar de poder ser verdadeira, não é relevante para os consumidores. A título de exemplo, os produtos que se apresentam como “livres de CFC”(5), apesar de os CFC (clorofluorcarbonetos) serem proibidos por lei;
5. O pecado do “faz menos mal” – relativo à prática das empresas que fazem declarações que podem ser verdadeiras dentro da categoria específica do produto, mas que correm o risco de distrair o consumidor dos impactos ambientais mais graves do produto como um todo. Os cigarros “orgânicos” e os veículos desportivos híbridos eficientes são exemplos deste pecado de “greenwashing”;
6. O pecado da mentira – este é, de todos, o pecado praticado com menos frequência e que ocorre quando as empresas fazem afirmações que são simplesmente falsas. Um exemplo comum é o de imóveis serem falsamente certificados ou registados com rótulos sustentáveis; e
7. O pecado dos rótulos falsos – o último tipo de “greenwashing” corresponde aos produtos que contêm nos seus rótulos (marketing) palavras ou imagens que dão a impressão ao consumidor de se tratar de produtos ecologicamente sustentáveis, quando na realidade não o são.
III. “Greenwashing” no SFDR (artigos 8.º e 9.º do SFDR)
O risco de “greenwashing” é também uma questão prioritária para o mercado financeiro na maioria das jurisdições e, neste sentido, a atenção dos reguladores, dos investidores e dos grupos ambientais tem aumentado à medida que os investidores, tanto institucionais como de retalho, procuram proativamente produtos/ /investimentos “sustentáveis”, “verdes”, e “amigos do planeta”.
Neste campo a União Europeia é pioneira: a abertura e harmonização do mercado interno foi o primeiro passo de um desenvolvimento legal contínuo desde então e que culminou, em março de 2021, na entrada em vigor do Regulamento 2019/2088(6), relativo à divulgação de informações relacionadas com a sustentabilidade no setor dos serviços (em inglês “Sustainable Finance Disclosures Regulation”/SFDR) que visa principalmente promover uma maior transparência, exigindo que todos os gestores de ativos forneçam informações sobre a sua avaliação e gestão dos riscos de sustentabilidade e impactos adversos para a sustentabilidade nas suas decisões de investimento.
O SFDR estabelece o âmbito da divulgação de informação obrigatória pelos gestores de ativos em função do alcance que os produtos financeiros por eles vendidos ou publicitados têm relativamente aos objetivos de investimento sustentável, definidos através de determinadas métricas e de índices.
O artigo 8.º do SFDR estabelece as divulgações obrigatórias para os fundos que são comercializados como tendo características ambientais ou sociais (os “Fundos Artigo 8.º”). Estas divulgações devem demonstrar (i) o modo como essas características ambientais ou sociais são alcançadas e (ii) se tiver sido designado um índice de referência, as informações sobre se, e de que forma, este índice corresponde a essas características.
O artigo 9.º do SFDR estabelece as divulgações necessárias para os fundos que visam especificamente objetivos de investimento sustentável (os “Fundos Artigo 9.º”). As divulgações ao abrigo do artigo 9.º devem realçar (i) as informações sobre a forma como o índice designado está alinhado com esse objetivo de investimento sustentável e (ii) conter uma explicação sobre por que razão e de que forma o índice designado alinhado com esse objetivo difere de um índice geral de mercado.
A procura por este tipo de fundos (principalmente por investidores do tipo institucional) tem vindo a aumentar, de acordo com um relatório elaborado pela Morningstar(7), nomeadamente, os Fundos Artigo 8.º e os Fundos Artigo 9.º, que representavam mais de 42% do ativos financeiros dos fundos europeus em 2021, com ativos sob gestão totalizando quatro biliões de euros.
Se os critérios referidos acima a propósito dos artigos 8.º e 9.º do SFDR para caracterizar os respetivos tipos de produtos financeiros parecem vagos, é porque na verdade o são: para os concretizar, os Regulatory Technical Standards (RTS)(8), elaborados pela Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA) que vão entrar em vigor no dia 1 de janeiro de 2023, determinam requisitos mais granulares que deverão ser divulgados por quem pretende gerir e comercializar os Fundos Artigo 8.º e os Fundos Artigo 9.º.
Tais requisitos compreendem o preenchimento de templates específicos com critérios mais ou menos padronizados, nomeadamente em relação à implementação de políticas de due diligence no que diz respeito aos Principais Impactos Adversos de Sustentabilidade (Principle Adverse Sustainability Impacts/PASI).
Não obstante, existe sempre a possibilidade de os intervenientes no mercado financeiro não considerarem a integração dos riscos em matéria de sustentabilidade, ou considerarem que os mesmos não são relevantes. Neste caso, ao abrigo do artigo 6.º do Regulamento SFDR, deverá ser incluída nas informações pré-contratuais uma explicação clara e concisa das razões para tal.
É de relevar ainda a aprovação do Regulamento (UE) 2020/852 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de junho de 2020, relativo ao estabelecimento de um regime para a promoção do investimento sustentável (comumente designado por Regulamento da Taxonomia). Nos termos deste regulamento, entre outras obrigações, as gestoras de Fundos Artigo 8.º e de Fundos Artigo 9.º que invistam numa atividade económica que contribua para um objetivo ambiental deverão, nos materiais de comercialização, utilizar a taxonomia de objetivos ambientais previstas no referido regulamento para enquadrar as características destes produtos.
A classificação e a divulgação de informações exigida pela legislação europeia aos intervenientes nos mercados financeiros tem uma óbvia e aparente vantagem, a de permitir aos investidores comparar diferentes tipos de produtos e, idealmente, separar aqueles que apenas apregoam que são verdes daqueles que verdadeiramente o são.
No entanto, estas regras representam um verdadeiro desafio no que respeita ao processo de elaboração de relatórios de ESG no contexto do cumprimento das obrigações determinadas pelo Regulamento SFDR, tanto pela quantidade de análise de dados ESG exigida como pela qualidade limitada dos dados ESG acessíveis (o que na grande maioria se revela o maior desafio).
Porém, apesar de terem sido definidos os objetivos de sustentabilidade sob a égide do Regulamento SFDR, a concretização dos mesmos parece ficar ainda aquém do propósito da sua implementação. Isto é, a ausência de padrões concretos relativos à forma de determinar as métricas previstas no SFDR e nos RTS e a inexistência de metodologias exatas para obter esses mesmos dados traduz-se numa desarmonização da informação prestada e, consequentemente, no aumento do risco de “greenwashing”.
Acresce que as diferenças nas interpretações das novas regras de ESG, a variedade de consultores ESG externos e a proliferação de conjuntos de dados e dos respetivos provedores são dificultadores da sua implementação correta e prática.
Neste sentido, note-se que, decorrente destas obrigações, os gestores de ativos, devem recolher e agregar dados ESG dos seus portefólios e de outros ativos de modo a cumprir as mesmas. Contudo, a escassez e a impossibilidade de confiar nos dados de ESG (na medida em que não existem padrões concretos de recolha de dados nem critérios harmonizados para a sua obtenção) leva a várias consequências não desejadas e contrárias ao objetivo da sua criação, nomeadamente, (i) o facto de não serem facilmente obtidos os dados que interessam, uma vez que há uma saturação de análise de dados e uma indeterminação de quais são relevantes e (ii) os dados nem sempre terem a qualidade desejada para o propósito da elaboração destes relatórios.
Pode acontecer assim que, devido à falta de quadros de referência, os gestores de ativos não tenham a certeza sobre quais os dados a recolher, o que naturalmente levará à obtenção de diferentes conjuntos de dados para o cumprimento da mesma obrigação. Consequentemente, as divulgações baseadas nos mesmos critérios, porém partindo de diferentes conjuntos de dados, podem levar a conclusões diferentes, tornando extremamente desafiante a comparabilidade do desempenho de um certo fundo ou de um certo gestor de ativos no que diz respeito ao cumprimento dos mesmos objetivos sustentáveis.
Acresce que, como uma possível consequência, os gestores de ativos podem, deliberadamente, vir a ignorar dados sobre determinadas métricas e classes de ativos (optando por divulgar apenas dados descritivos, que não reportam eficazmente o desempenho de um portefólio), permitindo que as divulgações se tornem tendenciosas, o que faz perder o efeito útil da sua comparação. Assim, existe o risco adicional de os gestores de ativos quase “autocertificarem” os seus produtos financeiros.
No pior dos casos, os erros no tratamento (ou o mau tratamento) dos dados requeridos podem levar ao não cumprimento das obrigações do SFDR e a divulgações incompletas.
Esta discrepância e falta de fiabilidade na recolha dos dados ESG por parte dos intervenientes no mercado financeiro deixa aberta a oportunidade para incorrer nos vários tipos de “greenwashing” (intencional ou não) mencionados acima e assim deturpar os critérios ESG, afirmando-se, por exemplo, como gestoras de Fundos Artigo 8.º ou Fundos Artigo 9.º, quando, na realidade, não são na substância merecedores dessa classificação à luz do SFDR.
IV. Como evitar o “Greenwashing”
Deste modo, embora o risco de “greenwashing” não seja fácil de evitar, há certas medidas que podem ser tomadas, de um ponto de vista dos gestores de ativos, para “praticarem o que apregoam” e, em última análise, evitar litígios ou consequências sancionatórias mais gravosas, tais como:
1. Orientar as funções das entidades gestoras de ativos para o ESG – as funções basilares das entidades gestoras de ativos que desejem focar o seu modelo de negócio em temas de sustentabilidade, a gestão do risco e a gestão do investimento, deverão estar orientadas para o cumprimento de critérios ESG. A existência de procedimentos de gestão de risco e de investimento detalhados que permitam refletir nas atividades de seleção, de gestão, de monitorização e de desinvestimento das empresas participadas, objetivos de sustentabilidade, levarão a que o processo de tomada de decisões seja orientado para resultados que promovam tais objetivos de forma séria e credível;
2. Recolha de dados adequada – deverão ser adotados processos rigorosos para a recolha de dados nas empresas participadas (através de engagement com a administração ou de disposições concretas na documentação de investimento) para assegurar que obtêm a informação de que necessitam para cumprir tanto a letra como o espírito das divulgações ESG previstas no SFDR e respetivos RTS;
3. Formação – a implementação de programas para melhorar a gestão e o conhecimento das pessoas envolvidas sobre os princípios de ESG e de investimento sustentável.
V. Conclusão
Existem gestoras de ativos que são capazes de se autoproclamar como sendo “verdes” ou proclamar alguns dos seus produtos como tal segundo as classificações do SFDR, apesar de, na realidade, estarem expostos a investimentos “sujos”. De acordo com o relatório da Morningstar (já anteriormente referido), existe um número elevado de Fundos Artigo 9.º com investimentos na indústria dos combustíveis fósseis. Esta situação deve-se em parte ao facto de estes fundos terem optado por investir em empresas em transição (empresas petrolíferas e de gás) que se comprometeram a afastar-se das atividades intensivas em carbono e com metas de emissões zero, apesar de o seu impacto sustentável estar longe das condições legais atribuídas à classificação desses fundos como “verdes”.
Tendo em conta este exemplo, resta-nos concluir que há um efetivo risco de “greenwashing” no setor da gestão de ativos e que a sua prevenção está a demonstrar-se difícil de evitar. Apesar de este risco estar a ser de alguma forma mitigado pela publicação dos RTS e de outros instrumentos sobre a divulgação de informação não-financeira pelas empresas (que alimentarão as divulgações dos seus acionistas institucionais), existe ainda um longo caminho a percorrer.
Com efeito, enquanto não existirem padrões absolutamente claros e transparentes de respeito por critérios ESG na estruturação e comercialização de produtos financeiros, corremos o risco de o “greenwashing” se transformar num problema de seleção adversa: se os investidores não conseguem distinguir os fundos “bons” dos fundos “maus”, as gestoras dos fundos “bons” não conseguirão investimento a um custo de capital atrativo (já que os investidores terão a tendência a nivelar todos os fundos por igual, na ausência de informação completa) e sairão do mercado do investimento sustentável, o que é claramente contrário à intenção da legislação europeia, que pretende ser líder neste domínio.
Notas:
(1) ORANGE, E., & COHEN, A. M. (2010) “From eco-friendly to eco-intelligent. The Futurist”, 44(5), 28-32.
(2) Acrónimo inglês para “Environmental, Social and Governance”.
(3) UL Global Network (2010) “The sins of Greenwashing”, 10.
(4) Ibid.
(5) Clorofluorcarboneto (CCl3F, CCl2F2 e C2Cl3F3), comum nos sprays de cabelo do século passado, banido em 1987 pelo Protocolo de Montreal. A título de curiosidade, este protocolo foi o único tratado das Nações Unidas a ser ratificado por todos os países (198) membros das Nações Unidas.
(6) Regulamento (UE) 2019/2088 do Parlamento Europeu e do Conselho de 27 de novembro de 2019.
(7) Morningstar, “SFDR Article 8 and Article 9 Funds: 2021, in Review” (2021).
(8) Final Report on draft Regulatory Technical Standards. with regard to the content and presentation of disclosures pursuant to Article 8(4), 9(6) and 11(5) of Regulation (EU) 2019/2088.
O anglicismo “greenwashing” foi concebido pelo ambientalista nova-iorquino Jay Westerveld num estudo de 1986 em relação à prática da indústria hoteleira de colocar avisos nos quartos promovendo a reutilização das toalhas de banho pelos hóspedes como forma de reduzir o gasto de água e, assim, “salvar o ambiente”(1).
Deste estudo resultou que o esforço empregue por parte dos hotéis para reduzir os desperdícios de água e de energia era muito reduzido, mas que, apesar de tudo, a reutilização das toalhas por parte dos hóspedes poupava drasticamente os custos de lavandaria.
Na sequência deste estudo, Jay Westerveld conclui que o verdadeiro objetivo final dos hotéis seria apenas o de aumentar o lucro, utilizando o termo “greenwashing” ou “lavagem verde” para definir os comportamentos lucrativos que se dizem sustentáveis, mas que são, na realidade, inócuos de um ponto de vista da sustentabilidade.
Ao mesmo tempo que se verifica uma crescente sensibilização da população mundial para os riscos relacionados com a proteção dos direitos humanos e do meio ambiente, por um lado, e o aproveitamento do “marketing verde” e dos proveitos económicos a isso associados decorrentes da utilização da sustentabilidade em produtos que carecem dessas características, por outro, invoca perguntas importantes no âmbito da ética empresarial.
Desde o aprofundamento e a acessibilidade ao conhecimento ambiental à cobertura mediática e, acima de tudo, à introdução de nova legislação, a possibilidade de regulação das práticas sustentáveis nunca foi tão presente.
A tendência atual do aparecimento e crescimento de produtos e serviços “verdes” proliferou no setor financeiro, através da popularização da aplicação de critérios de ESG(2) (ambientais, sociais e de governação) por parte dos intervenientes nos mercados financeiros e na identificação de riscos materiais e oportunidades de crescimento nos fundos de investimento e produtos financeiros.
Assim, o risco financeiro associado a um determinado produto financeiro ou empresa (ou mesmo a sua elegibilidade para integrar o balanço de certos investidores institucionais) é influenciado, hoje em dia, pelo reflexo direto do preenchimento dos critérios de ESG empregues pelos gestores de ativos na avaliação dos seus produtos e serviços.
Como veremos, a entrada em vigor de diversos pacotes de legislação europeia tornou a divulgação das métricas de ESG empregues pelos gestores de ativos nos relatórios financeiros, obrigatória. Contudo, estas divulgações dependem largamente dos dados e das informações fornecidos pelas próprias empresas do portefólio.
Por outro lado, a ambiguidade e o caráter vago dos critérios usados para a definição de produtos como “verdes” dá azo ao fenómeno de “greenwashing”, na medida em que um produto, sendo divulgado como verde, na realidade, pode sê-lo ou não, dada a impossibilidade de determinação consoante critérios objetivos.
II. Tipos de “Greenwashing”
De acordo com um famoso estudo elaborado pela TerraChoice(3), as principais práticas de “greenwashing” podem agrupar-se em sete tipologias, denominadas como os “sete pecados do greenwashing”(4) (the seven sins of greenwashing):
1. O pecado da ocultação de informações – ocorre quando há a sugestão de que um produto é ecologicamente sustentável, mas na sua classificação não são tidas em consideração as diferentes etapas do processo para obtê-lo, como por exemplo o gasto de energia, a emissão de CO2 e a poluição de recursos hídricos;
2. O pecado da ausência de provas – decorre da inexistência de uma certificação ou forma de comprovação dos impactos positivos do produto no ambiente;
3. O pecado da imprecisão – ocorre quando as informações disponibilizadas sobre os produtos são mal definidas ou podem dar azo a interpretações erróneas por parte dos consumidores. Assim, podem destacar-se práticas como os rótulos que garantem produtos “100% naturais”, mas que contêm substâncias como mercúrio. O mercúrio, apesar de ser efetivamente uma substância natural, é altamente venenoso para o ser humano, bem como para a fauna e a flora;
4. O pecado da irrelevância – ocorre quando as empresas fazem uma declaração ambiental que, apesar de poder ser verdadeira, não é relevante para os consumidores. A título de exemplo, os produtos que se apresentam como “livres de CFC”(5), apesar de os CFC (clorofluorcarbonetos) serem proibidos por lei;
5. O pecado do “faz menos mal” – relativo à prática das empresas que fazem declarações que podem ser verdadeiras dentro da categoria específica do produto, mas que correm o risco de distrair o consumidor dos impactos ambientais mais graves do produto como um todo. Os cigarros “orgânicos” e os veículos desportivos híbridos eficientes são exemplos deste pecado de “greenwashing”;
6. O pecado da mentira – este é, de todos, o pecado praticado com menos frequência e que ocorre quando as empresas fazem afirmações que são simplesmente falsas. Um exemplo comum é o de imóveis serem falsamente certificados ou registados com rótulos sustentáveis; e
7. O pecado dos rótulos falsos – o último tipo de “greenwashing” corresponde aos produtos que contêm nos seus rótulos (marketing) palavras ou imagens que dão a impressão ao consumidor de se tratar de produtos ecologicamente sustentáveis, quando na realidade não o são.
III. “Greenwashing” no SFDR (artigos 8.º e 9.º do SFDR)
O risco de “greenwashing” é também uma questão prioritária para o mercado financeiro na maioria das jurisdições e, neste sentido, a atenção dos reguladores, dos investidores e dos grupos ambientais tem aumentado à medida que os investidores, tanto institucionais como de retalho, procuram proativamente produtos/ /investimentos “sustentáveis”, “verdes”, e “amigos do planeta”.
Neste campo a União Europeia é pioneira: a abertura e harmonização do mercado interno foi o primeiro passo de um desenvolvimento legal contínuo desde então e que culminou, em março de 2021, na entrada em vigor do Regulamento 2019/2088(6), relativo à divulgação de informações relacionadas com a sustentabilidade no setor dos serviços (em inglês “Sustainable Finance Disclosures Regulation”/SFDR) que visa principalmente promover uma maior transparência, exigindo que todos os gestores de ativos forneçam informações sobre a sua avaliação e gestão dos riscos de sustentabilidade e impactos adversos para a sustentabilidade nas suas decisões de investimento.
O SFDR estabelece o âmbito da divulgação de informação obrigatória pelos gestores de ativos em função do alcance que os produtos financeiros por eles vendidos ou publicitados têm relativamente aos objetivos de investimento sustentável, definidos através de determinadas métricas e de índices.
O artigo 8.º do SFDR estabelece as divulgações obrigatórias para os fundos que são comercializados como tendo características ambientais ou sociais (os “Fundos Artigo 8.º”). Estas divulgações devem demonstrar (i) o modo como essas características ambientais ou sociais são alcançadas e (ii) se tiver sido designado um índice de referência, as informações sobre se, e de que forma, este índice corresponde a essas características.
O artigo 9.º do SFDR estabelece as divulgações necessárias para os fundos que visam especificamente objetivos de investimento sustentável (os “Fundos Artigo 9.º”). As divulgações ao abrigo do artigo 9.º devem realçar (i) as informações sobre a forma como o índice designado está alinhado com esse objetivo de investimento sustentável e (ii) conter uma explicação sobre por que razão e de que forma o índice designado alinhado com esse objetivo difere de um índice geral de mercado.
A procura por este tipo de fundos (principalmente por investidores do tipo institucional) tem vindo a aumentar, de acordo com um relatório elaborado pela Morningstar(7), nomeadamente, os Fundos Artigo 8.º e os Fundos Artigo 9.º, que representavam mais de 42% do ativos financeiros dos fundos europeus em 2021, com ativos sob gestão totalizando quatro biliões de euros.
Se os critérios referidos acima a propósito dos artigos 8.º e 9.º do SFDR para caracterizar os respetivos tipos de produtos financeiros parecem vagos, é porque na verdade o são: para os concretizar, os Regulatory Technical Standards (RTS)(8), elaborados pela Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA) que vão entrar em vigor no dia 1 de janeiro de 2023, determinam requisitos mais granulares que deverão ser divulgados por quem pretende gerir e comercializar os Fundos Artigo 8.º e os Fundos Artigo 9.º.
Tais requisitos compreendem o preenchimento de templates específicos com critérios mais ou menos padronizados, nomeadamente em relação à implementação de políticas de due diligence no que diz respeito aos Principais Impactos Adversos de Sustentabilidade (Principle Adverse Sustainability Impacts/PASI).
Não obstante, existe sempre a possibilidade de os intervenientes no mercado financeiro não considerarem a integração dos riscos em matéria de sustentabilidade, ou considerarem que os mesmos não são relevantes. Neste caso, ao abrigo do artigo 6.º do Regulamento SFDR, deverá ser incluída nas informações pré-contratuais uma explicação clara e concisa das razões para tal.
É de relevar ainda a aprovação do Regulamento (UE) 2020/852 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de junho de 2020, relativo ao estabelecimento de um regime para a promoção do investimento sustentável (comumente designado por Regulamento da Taxonomia). Nos termos deste regulamento, entre outras obrigações, as gestoras de Fundos Artigo 8.º e de Fundos Artigo 9.º que invistam numa atividade económica que contribua para um objetivo ambiental deverão, nos materiais de comercialização, utilizar a taxonomia de objetivos ambientais previstas no referido regulamento para enquadrar as características destes produtos.
A classificação e a divulgação de informações exigida pela legislação europeia aos intervenientes nos mercados financeiros tem uma óbvia e aparente vantagem, a de permitir aos investidores comparar diferentes tipos de produtos e, idealmente, separar aqueles que apenas apregoam que são verdes daqueles que verdadeiramente o são.
No entanto, estas regras representam um verdadeiro desafio no que respeita ao processo de elaboração de relatórios de ESG no contexto do cumprimento das obrigações determinadas pelo Regulamento SFDR, tanto pela quantidade de análise de dados ESG exigida como pela qualidade limitada dos dados ESG acessíveis (o que na grande maioria se revela o maior desafio).
Porém, apesar de terem sido definidos os objetivos de sustentabilidade sob a égide do Regulamento SFDR, a concretização dos mesmos parece ficar ainda aquém do propósito da sua implementação. Isto é, a ausência de padrões concretos relativos à forma de determinar as métricas previstas no SFDR e nos RTS e a inexistência de metodologias exatas para obter esses mesmos dados traduz-se numa desarmonização da informação prestada e, consequentemente, no aumento do risco de “greenwashing”.
Acresce que as diferenças nas interpretações das novas regras de ESG, a variedade de consultores ESG externos e a proliferação de conjuntos de dados e dos respetivos provedores são dificultadores da sua implementação correta e prática.
Neste sentido, note-se que, decorrente destas obrigações, os gestores de ativos, devem recolher e agregar dados ESG dos seus portefólios e de outros ativos de modo a cumprir as mesmas. Contudo, a escassez e a impossibilidade de confiar nos dados de ESG (na medida em que não existem padrões concretos de recolha de dados nem critérios harmonizados para a sua obtenção) leva a várias consequências não desejadas e contrárias ao objetivo da sua criação, nomeadamente, (i) o facto de não serem facilmente obtidos os dados que interessam, uma vez que há uma saturação de análise de dados e uma indeterminação de quais são relevantes e (ii) os dados nem sempre terem a qualidade desejada para o propósito da elaboração destes relatórios.
Pode acontecer assim que, devido à falta de quadros de referência, os gestores de ativos não tenham a certeza sobre quais os dados a recolher, o que naturalmente levará à obtenção de diferentes conjuntos de dados para o cumprimento da mesma obrigação. Consequentemente, as divulgações baseadas nos mesmos critérios, porém partindo de diferentes conjuntos de dados, podem levar a conclusões diferentes, tornando extremamente desafiante a comparabilidade do desempenho de um certo fundo ou de um certo gestor de ativos no que diz respeito ao cumprimento dos mesmos objetivos sustentáveis.
Acresce que, como uma possível consequência, os gestores de ativos podem, deliberadamente, vir a ignorar dados sobre determinadas métricas e classes de ativos (optando por divulgar apenas dados descritivos, que não reportam eficazmente o desempenho de um portefólio), permitindo que as divulgações se tornem tendenciosas, o que faz perder o efeito útil da sua comparação. Assim, existe o risco adicional de os gestores de ativos quase “autocertificarem” os seus produtos financeiros.
No pior dos casos, os erros no tratamento (ou o mau tratamento) dos dados requeridos podem levar ao não cumprimento das obrigações do SFDR e a divulgações incompletas.
Esta discrepância e falta de fiabilidade na recolha dos dados ESG por parte dos intervenientes no mercado financeiro deixa aberta a oportunidade para incorrer nos vários tipos de “greenwashing” (intencional ou não) mencionados acima e assim deturpar os critérios ESG, afirmando-se, por exemplo, como gestoras de Fundos Artigo 8.º ou Fundos Artigo 9.º, quando, na realidade, não são na substância merecedores dessa classificação à luz do SFDR.
IV. Como evitar o “Greenwashing”
Deste modo, embora o risco de “greenwashing” não seja fácil de evitar, há certas medidas que podem ser tomadas, de um ponto de vista dos gestores de ativos, para “praticarem o que apregoam” e, em última análise, evitar litígios ou consequências sancionatórias mais gravosas, tais como:
1. Orientar as funções das entidades gestoras de ativos para o ESG – as funções basilares das entidades gestoras de ativos que desejem focar o seu modelo de negócio em temas de sustentabilidade, a gestão do risco e a gestão do investimento, deverão estar orientadas para o cumprimento de critérios ESG. A existência de procedimentos de gestão de risco e de investimento detalhados que permitam refletir nas atividades de seleção, de gestão, de monitorização e de desinvestimento das empresas participadas, objetivos de sustentabilidade, levarão a que o processo de tomada de decisões seja orientado para resultados que promovam tais objetivos de forma séria e credível;
2. Recolha de dados adequada – deverão ser adotados processos rigorosos para a recolha de dados nas empresas participadas (através de engagement com a administração ou de disposições concretas na documentação de investimento) para assegurar que obtêm a informação de que necessitam para cumprir tanto a letra como o espírito das divulgações ESG previstas no SFDR e respetivos RTS;
3. Formação – a implementação de programas para melhorar a gestão e o conhecimento das pessoas envolvidas sobre os princípios de ESG e de investimento sustentável.
V. Conclusão
Existem gestoras de ativos que são capazes de se autoproclamar como sendo “verdes” ou proclamar alguns dos seus produtos como tal segundo as classificações do SFDR, apesar de, na realidade, estarem expostos a investimentos “sujos”. De acordo com o relatório da Morningstar (já anteriormente referido), existe um número elevado de Fundos Artigo 9.º com investimentos na indústria dos combustíveis fósseis. Esta situação deve-se em parte ao facto de estes fundos terem optado por investir em empresas em transição (empresas petrolíferas e de gás) que se comprometeram a afastar-se das atividades intensivas em carbono e com metas de emissões zero, apesar de o seu impacto sustentável estar longe das condições legais atribuídas à classificação desses fundos como “verdes”.
Tendo em conta este exemplo, resta-nos concluir que há um efetivo risco de “greenwashing” no setor da gestão de ativos e que a sua prevenção está a demonstrar-se difícil de evitar. Apesar de este risco estar a ser de alguma forma mitigado pela publicação dos RTS e de outros instrumentos sobre a divulgação de informação não-financeira pelas empresas (que alimentarão as divulgações dos seus acionistas institucionais), existe ainda um longo caminho a percorrer.
Com efeito, enquanto não existirem padrões absolutamente claros e transparentes de respeito por critérios ESG na estruturação e comercialização de produtos financeiros, corremos o risco de o “greenwashing” se transformar num problema de seleção adversa: se os investidores não conseguem distinguir os fundos “bons” dos fundos “maus”, as gestoras dos fundos “bons” não conseguirão investimento a um custo de capital atrativo (já que os investidores terão a tendência a nivelar todos os fundos por igual, na ausência de informação completa) e sairão do mercado do investimento sustentável, o que é claramente contrário à intenção da legislação europeia, que pretende ser líder neste domínio.
Notas:
(1) ORANGE, E., & COHEN, A. M. (2010) “From eco-friendly to eco-intelligent. The Futurist”, 44(5), 28-32.
(2) Acrónimo inglês para “Environmental, Social and Governance”.
(3) UL Global Network (2010) “The sins of Greenwashing”, 10.
(4) Ibid.
(5) Clorofluorcarboneto (CCl3F, CCl2F2 e C2Cl3F3), comum nos sprays de cabelo do século passado, banido em 1987 pelo Protocolo de Montreal. A título de curiosidade, este protocolo foi o único tratado das Nações Unidas a ser ratificado por todos os países (198) membros das Nações Unidas.
(6) Regulamento (UE) 2019/2088 do Parlamento Europeu e do Conselho de 27 de novembro de 2019.
(7) Morningstar, “SFDR Article 8 and Article 9 Funds: 2021, in Review” (2021).
(8) Final Report on draft Regulatory Technical Standards. with regard to the content and presentation of disclosures pursuant to Article 8(4), 9(6) and 11(5) of Regulation (EU) 2019/2088.