O impacto das cidades no ambiente continuará a crescer
“A construção de pontos de recargas em áreas públicas e privadas é uma medida de infraestrutura determinante para a expansão da utilização de veículos elétricos” – considera Lucila de Almeida. Em entrevista à “Vida Judiciária”, a coordenadora do Green Lab da NOVA School of Law, destaca a importância dos benefícios fiscais que permitem a redução do preço dos veículos elétricos e melhoram a acessibilidade por uma camada mais ampla da população.
Em sua opinião, o Plano de Recuperação e Resiliência deve ser uma peça fundamental para impulsionar as renovações prediais em centros urbanos.
Vida Judiciária – A partir de outubro ocupará a posição de Abreu Chair in ESG Impact, coordenando o Green Lab da NOVA School of Law. Em que consiste este laboratório? E qual é a sua missão?
Lucila de Almeida – Como coordenadora do Green Lab da Nova School of Law e Abreu Chair in ESG Impact, pretendo construir, juntamente com experts e estudantes, um centro de investigação e divulgação destinado a responder aos principais desafios das reformas jurídicas previstas no âmbito do Green Deal. Esta é a razão pela qual o plano de investigação de 3 anos do centro chama-se The Green Lab for the Green Deal. Embora a Comissão Europeia tenha apresentado o Acordo Verde Europeu em dezembro de 2019, este continuará a ser a primeira e principal prioridade da Comissão Ursula von der Leyen até às eleições de 2024, apesar da COVID e da mais recente crise energética. A sua execução é contextualizada e depende em grande parte da reforma de um grande corpo de legislação preexistente da UE, que, depois de aprovada, terá de ser transposta e implementada nos Estados Membros. A complexidade e diversidade dos assuntos a regular suscitam uma preocupação quanto ao risco de incoerência e à ineficácia das medidas. O projeto de investigação centrar-se-á na monitorização do nexo de coerência-eficácia das medidas climáticas e ambientais aplicadas, sobretudo, no quadro jurídico de setores estratégicos de infraestrutura como a energia, água, transportes e economia circular.
VJ – Quais os futuros passos do Green Lab, de forma a procurar executar os objetivos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU?
LA – A importância de associar projetos de investigação a um plano de divulgação e impacto social é crucial. O plano de investigação do Green Lab sobrepõe-se diretamente a vários objetivos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU, entre eles o objetivo 7 (energia limpa e acessível), o objetivo 9 (Indústria, Inovação e Infraestruturas), o objetivo 10 (cidades e comunidades sustentáveis), o objetivo 12 (consumo e produção sustentável), o objetivo 13 (ação climática) e o objetivo 6 (água limpa e saneamento). A estratégia de disseminação compreende planos bem definidos para o envolvimento dos stakeholders, incluindo a escolha de variedades de formatos de publicação deliberadamente dirigidos à comunidade académica e não académica, e a utilização de oportunidades para financiar a investigação através de parcerias, projetos de capacitação e fundos de investigação nacionais e europeus. Quanto às parcerias, é valido reforçar o apoio fundamental ao Green Lab do Instituto de Conhecimento, fundação da Abreu Advogados, que financia e apoia as atividades do centro de pesquisa.
"É obrigação do Estado mitigar a pobreza energética"
VJ – Considera que a sensibilização sobre a importância de uma boa gestão dos instrumentos ambientais e urbanísticos e a implementação de novas medidas nestas áreas é cada vez mais essencial para a prossecução de objetivos como os supramencionados?
LA – Atualmente, os centros urbanos albergam quase metade da população mundial, são responsáveis por mais de 70% das emissões globais de CO2 relacionadas com a energia e por uma estimativa de 50% dos resíduos globais. Com uma percentagem crescente da população global que deverá viver em áreas urbanas nas próximas décadas, o impacto das cidades no ambiente continuará a crescer, a menos que se intensifique uma ação significativa na gestão dos instrumentos ambientais e urbanísticos. O desafio-chave de alcançar esses objetivos está no cerne do quadro teórico dos estudos do Green Lab: o nexo coerência-eficácia jurídico. A transformação das cidades urbanas exige coerência de amplos sistemas jurídicos cuja competência para redigir ou aprovar normas está fragmentada por instituições posicionadas em diferentes níveis verticais de governança, seja a nível da UE, nacional ou municipal, ou níveis horizontais, sendo esses últimos notadamente de forma setorizada, como agências reguladoras ou órgãos do Governo. Uma boa gestão dos instrumentos ambientais requer, sobretudo, capacidade de coordenação entre essas várias instituições.
VJ – Quais os desafios e oportunidades da reabilitação urbana para reduzir o consumo de energia das cidades?
LA – Para reduzir o consumo de energia nos centros urbanos, há necessidade de prosseguir duas políticas públicas diferentes que têm desafios e oportunidades distintos: consumir menos energia e consumir uma energia mais sustentável. A primeira diz respeito às políticas de eficiência energética, com o objetivo de reduzir o consumo de energia, como, por exemplo, relacionadas com a renovação predial e a descarbonização de sistemas de aquecimento e arrefecimento. A Diretiva da UE relativa ao desempenho energético dos edifícios (Diretiva 2010/31/EU, emendada pela Diretiva 2018/844 e atualmente objeto de revisão dentro do Green Deal), distingue, corretamente, as obrigações de eficiência energética destinados a edifícios públicos, grandes indústrias, pequenas e médias empresas e consumidores residenciais. Isso permite a distribuição das obrigações e estímulos financeiros proporcionais à capacidade de resposta do tipo de consumidor final localizado em centros urbanos. A segunda política pública diz respeito ao objetivo de consumir melhor, mais precisamente, consumir mais energias renováveis e menos combustíveis fósseis. Nesse caso, os desafios são mais complexos porque a alteração da matriz energética não depende unicamente de medidas de resposta à procura, mas de uma reforma ampla de como a energia é produzida, transmitida e consumida, envolvendo reformas regulatórias em diversas esferas, como na mobilidade urbana, consumo de energia própria ou produzida de forma coletiva ou via comunidades energéticas, entre outras.
VJ – O sistema energético da Europa enfrenta um stress físico sem precedentes. Considera que a resposta política até agora tem sido excessivamente centrada a nível nacional e poderá minar os objetivos ambiciosos de descarbonização?
LA – A COVID e, mais recentemente, a crise energética impuseram, de facto, um stress sem precedentes ao modelo de regulação energética desde a liberalização. Todavia, é preciso distinguir os pacotes emergenciais daqueles que objetivam reformas estruturais de médio e longo prazo. A maioria dos pacotes de emergência adotados pelos Estados-Membros e pela UE não estão em contradição com os planos de descarbonização, com algumas exceções, como, por exemplo, a permissão do regresso das centrais elétricas a carvão, lignite e fuelóleo na Alemanha. A maioria das medidas adotadas por Estados-membros a nível nacional são neutras ou favoráveis à transição energética. Por exemplo, limitar o preço do gás natural, taxar os lucros excessivos de centrais elétricas, mesmo que indiscriminadamente, ou subsidiar o preço da energia de consumidores vulneráveis não gera um impacto negativo na ambição de descarbonização. Quando o foco são medidas de médio ou longo-prazo, nota-se a ambição de acelerar a descarbonização, a exemplo do REPowerEU, que dobra as ambições de produção de hidrogénio e biogás como vetor energético substituto do gás natural, e o suporte do Parlamento Europeu ao aumento das metas de energias renováveis para 45% da matriz energética até 2030.
VJ – Em resposta aos preços elevados e voláteis, subsidiar o consumo de energia para consumidores vulneráveis, em vez da redução da procura, tem sido uma abordagem comum e necessária, mas limitada em sua eficácia para fins da sustentabilidade. Considera esta a melhor abordagem ao problema?
LA – Sobre este assunto, é importante reforçar a distinção entre medidas de emergência e medidas de médio e longo prazo, como anteriormente tratada. Subsidiar a conta de energia de consumidores vulneráveis num cenário em que o preço do gás é dez vezes superior ao do ano anterior, e os preços de eletricidades acompanharam um crescimento substancial, é inevitável, sobretudo, porque é obrigação do Estado mitigar a pobreza energética. Todavia, as medidas de emergência não devem retardar ou reduzir a efetividade de medidas de médio e longo prazo. Por exemplo, um instrumento essencial para possibilitar a redução da procura é a instalação de medidores inteligentes que permitem ao consumidor a redução de consumo imediato em horários de pico. Apesar de as condições e obrigações para a instalação de medidores inteligentes terem sido tratados pela UE na reforma do pacote de energia limpa aprovadas em 2019, a implementação ainda está muito aquém das expectativas.
"A maioria dos pacotes de emergência adotados pelos Estados-Membros e pela UE não estão em contradição com os planos de descarbonização"
VJ – Considera as presentes políticas públicas suficientes na redução da procura de combustíveis fósseis, nomeadamente, na forma como se regula o consumo de energia pelos centros urbanos?
LA – A redução da procura de combustíveis fósseis em centros urbanos depende, sobretudo, da alteração dos padrões de consumo de energia na área de mobilidade urbana, como também aquecimento e arrefecimento predial. Ambas as medidas requerem mudanças estruturais de longo e médio prazo. Nas áreas de mobilidade urbana, o Acordo Verde Europeu propôs metas ambiciosas que emendam o Regulamento 2019/631, no que respeita ao reforço das normas de desempenho em matéria de emissões de CO2 para automóveis de passageiros novos e veículos comerciais ligeiros novos, em conformidade com a maior ambição climática da UE. Nessa esfera, observa-se uma preferência pela substituição de veículos movidos a combustíveis fósseis por veículos elétricos ou movidos a hidrogénio verde até 2035. Na área de aquecimento e arrefecimento predial e residencial, a mais recente emenda da Diretiva das Energias Renováveis reforça as metas do papel do sistema de aquecimento e arrefecimento urbano e medidas de integração do calor e do frio residuais.
VJ – Na sua opinião, um maior incentivo à construção de pontos de recarga em áreas publicas e privadas traduzir-se-á num acréscimo da utilização de veículos elétricos?
LA – A construção de pontos de recarga em áreas públicas e privadas é uma medida de infraestrutura determinante para a expansão da utilização de veículos elétricos. Todavia, há outras medidas não estruturais de igual importância. Benefícios fiscais que permitem a redução do preço dos veículos elétricos aumentam a acessibilidade desses bens por uma camada mais ampla da população, o que é importante enquanto os preços ainda se apresentam elevados em comparação com veículos movidos a combustíveis fosseis. Ademais, medidas que restringem o acesso de veículos movidos a combustíveis fósseis a certas áreas urbanas vêm demonstrando serem eficazes, a exemplo da cidade de Barcelona.
VJ – Como analisa o Acordo Verde Europeu, iniciativa chave para impulsionar a eficiência energética no setor, implicando medidas como a renovação de edifícios públicos e privados?
LA – Seria impossível tratar da eficiência energética oriunda de medidas como a renovação de edifícios públicos e privados em centros urbanos dissociada do Plano de Recuperação e Resiliência da UE, que não poderia ser excluído dessa entrevista. Tal medida permite à Comissão Europeia angariar fundos para ajudar os Estados-Membros a implementar reformas e investimentos que estejam de acordo com as prioridades da UE, disponibilizando para esse fim 723,8 mil milhões de euros (a preços correntes) em empréstimos (385,8 mil milhões de euros) e subvenções (338 mil milhões de euros). O Plano de Recuperação e Resiliência é uma peça fundamental para impulsionar as renovações prediais em centros urbanos tendo em vista a convergência da finalidade da eficiência energética com o Acordo Verde Europeu e prioridades na implementação de políticas climáticas.
Em sua opinião, o Plano de Recuperação e Resiliência deve ser uma peça fundamental para impulsionar as renovações prediais em centros urbanos.
Vida Judiciária – A partir de outubro ocupará a posição de Abreu Chair in ESG Impact, coordenando o Green Lab da NOVA School of Law. Em que consiste este laboratório? E qual é a sua missão?
Lucila de Almeida – Como coordenadora do Green Lab da Nova School of Law e Abreu Chair in ESG Impact, pretendo construir, juntamente com experts e estudantes, um centro de investigação e divulgação destinado a responder aos principais desafios das reformas jurídicas previstas no âmbito do Green Deal. Esta é a razão pela qual o plano de investigação de 3 anos do centro chama-se The Green Lab for the Green Deal. Embora a Comissão Europeia tenha apresentado o Acordo Verde Europeu em dezembro de 2019, este continuará a ser a primeira e principal prioridade da Comissão Ursula von der Leyen até às eleições de 2024, apesar da COVID e da mais recente crise energética. A sua execução é contextualizada e depende em grande parte da reforma de um grande corpo de legislação preexistente da UE, que, depois de aprovada, terá de ser transposta e implementada nos Estados Membros. A complexidade e diversidade dos assuntos a regular suscitam uma preocupação quanto ao risco de incoerência e à ineficácia das medidas. O projeto de investigação centrar-se-á na monitorização do nexo de coerência-eficácia das medidas climáticas e ambientais aplicadas, sobretudo, no quadro jurídico de setores estratégicos de infraestrutura como a energia, água, transportes e economia circular.
VJ – Quais os futuros passos do Green Lab, de forma a procurar executar os objetivos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU?
LA – A importância de associar projetos de investigação a um plano de divulgação e impacto social é crucial. O plano de investigação do Green Lab sobrepõe-se diretamente a vários objetivos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU, entre eles o objetivo 7 (energia limpa e acessível), o objetivo 9 (Indústria, Inovação e Infraestruturas), o objetivo 10 (cidades e comunidades sustentáveis), o objetivo 12 (consumo e produção sustentável), o objetivo 13 (ação climática) e o objetivo 6 (água limpa e saneamento). A estratégia de disseminação compreende planos bem definidos para o envolvimento dos stakeholders, incluindo a escolha de variedades de formatos de publicação deliberadamente dirigidos à comunidade académica e não académica, e a utilização de oportunidades para financiar a investigação através de parcerias, projetos de capacitação e fundos de investigação nacionais e europeus. Quanto às parcerias, é valido reforçar o apoio fundamental ao Green Lab do Instituto de Conhecimento, fundação da Abreu Advogados, que financia e apoia as atividades do centro de pesquisa.
"É obrigação do Estado mitigar a pobreza energética"
VJ – Considera que a sensibilização sobre a importância de uma boa gestão dos instrumentos ambientais e urbanísticos e a implementação de novas medidas nestas áreas é cada vez mais essencial para a prossecução de objetivos como os supramencionados?
LA – Atualmente, os centros urbanos albergam quase metade da população mundial, são responsáveis por mais de 70% das emissões globais de CO2 relacionadas com a energia e por uma estimativa de 50% dos resíduos globais. Com uma percentagem crescente da população global que deverá viver em áreas urbanas nas próximas décadas, o impacto das cidades no ambiente continuará a crescer, a menos que se intensifique uma ação significativa na gestão dos instrumentos ambientais e urbanísticos. O desafio-chave de alcançar esses objetivos está no cerne do quadro teórico dos estudos do Green Lab: o nexo coerência-eficácia jurídico. A transformação das cidades urbanas exige coerência de amplos sistemas jurídicos cuja competência para redigir ou aprovar normas está fragmentada por instituições posicionadas em diferentes níveis verticais de governança, seja a nível da UE, nacional ou municipal, ou níveis horizontais, sendo esses últimos notadamente de forma setorizada, como agências reguladoras ou órgãos do Governo. Uma boa gestão dos instrumentos ambientais requer, sobretudo, capacidade de coordenação entre essas várias instituições.
VJ – Quais os desafios e oportunidades da reabilitação urbana para reduzir o consumo de energia das cidades?
LA – Para reduzir o consumo de energia nos centros urbanos, há necessidade de prosseguir duas políticas públicas diferentes que têm desafios e oportunidades distintos: consumir menos energia e consumir uma energia mais sustentável. A primeira diz respeito às políticas de eficiência energética, com o objetivo de reduzir o consumo de energia, como, por exemplo, relacionadas com a renovação predial e a descarbonização de sistemas de aquecimento e arrefecimento. A Diretiva da UE relativa ao desempenho energético dos edifícios (Diretiva 2010/31/EU, emendada pela Diretiva 2018/844 e atualmente objeto de revisão dentro do Green Deal), distingue, corretamente, as obrigações de eficiência energética destinados a edifícios públicos, grandes indústrias, pequenas e médias empresas e consumidores residenciais. Isso permite a distribuição das obrigações e estímulos financeiros proporcionais à capacidade de resposta do tipo de consumidor final localizado em centros urbanos. A segunda política pública diz respeito ao objetivo de consumir melhor, mais precisamente, consumir mais energias renováveis e menos combustíveis fósseis. Nesse caso, os desafios são mais complexos porque a alteração da matriz energética não depende unicamente de medidas de resposta à procura, mas de uma reforma ampla de como a energia é produzida, transmitida e consumida, envolvendo reformas regulatórias em diversas esferas, como na mobilidade urbana, consumo de energia própria ou produzida de forma coletiva ou via comunidades energéticas, entre outras.
VJ – O sistema energético da Europa enfrenta um stress físico sem precedentes. Considera que a resposta política até agora tem sido excessivamente centrada a nível nacional e poderá minar os objetivos ambiciosos de descarbonização?
LA – A COVID e, mais recentemente, a crise energética impuseram, de facto, um stress sem precedentes ao modelo de regulação energética desde a liberalização. Todavia, é preciso distinguir os pacotes emergenciais daqueles que objetivam reformas estruturais de médio e longo prazo. A maioria dos pacotes de emergência adotados pelos Estados-Membros e pela UE não estão em contradição com os planos de descarbonização, com algumas exceções, como, por exemplo, a permissão do regresso das centrais elétricas a carvão, lignite e fuelóleo na Alemanha. A maioria das medidas adotadas por Estados-membros a nível nacional são neutras ou favoráveis à transição energética. Por exemplo, limitar o preço do gás natural, taxar os lucros excessivos de centrais elétricas, mesmo que indiscriminadamente, ou subsidiar o preço da energia de consumidores vulneráveis não gera um impacto negativo na ambição de descarbonização. Quando o foco são medidas de médio ou longo-prazo, nota-se a ambição de acelerar a descarbonização, a exemplo do REPowerEU, que dobra as ambições de produção de hidrogénio e biogás como vetor energético substituto do gás natural, e o suporte do Parlamento Europeu ao aumento das metas de energias renováveis para 45% da matriz energética até 2030.
VJ – Em resposta aos preços elevados e voláteis, subsidiar o consumo de energia para consumidores vulneráveis, em vez da redução da procura, tem sido uma abordagem comum e necessária, mas limitada em sua eficácia para fins da sustentabilidade. Considera esta a melhor abordagem ao problema?
LA – Sobre este assunto, é importante reforçar a distinção entre medidas de emergência e medidas de médio e longo prazo, como anteriormente tratada. Subsidiar a conta de energia de consumidores vulneráveis num cenário em que o preço do gás é dez vezes superior ao do ano anterior, e os preços de eletricidades acompanharam um crescimento substancial, é inevitável, sobretudo, porque é obrigação do Estado mitigar a pobreza energética. Todavia, as medidas de emergência não devem retardar ou reduzir a efetividade de medidas de médio e longo prazo. Por exemplo, um instrumento essencial para possibilitar a redução da procura é a instalação de medidores inteligentes que permitem ao consumidor a redução de consumo imediato em horários de pico. Apesar de as condições e obrigações para a instalação de medidores inteligentes terem sido tratados pela UE na reforma do pacote de energia limpa aprovadas em 2019, a implementação ainda está muito aquém das expectativas.
"A maioria dos pacotes de emergência adotados pelos Estados-Membros e pela UE não estão em contradição com os planos de descarbonização"
VJ – Considera as presentes políticas públicas suficientes na redução da procura de combustíveis fósseis, nomeadamente, na forma como se regula o consumo de energia pelos centros urbanos?
LA – A redução da procura de combustíveis fósseis em centros urbanos depende, sobretudo, da alteração dos padrões de consumo de energia na área de mobilidade urbana, como também aquecimento e arrefecimento predial. Ambas as medidas requerem mudanças estruturais de longo e médio prazo. Nas áreas de mobilidade urbana, o Acordo Verde Europeu propôs metas ambiciosas que emendam o Regulamento 2019/631, no que respeita ao reforço das normas de desempenho em matéria de emissões de CO2 para automóveis de passageiros novos e veículos comerciais ligeiros novos, em conformidade com a maior ambição climática da UE. Nessa esfera, observa-se uma preferência pela substituição de veículos movidos a combustíveis fósseis por veículos elétricos ou movidos a hidrogénio verde até 2035. Na área de aquecimento e arrefecimento predial e residencial, a mais recente emenda da Diretiva das Energias Renováveis reforça as metas do papel do sistema de aquecimento e arrefecimento urbano e medidas de integração do calor e do frio residuais.
VJ – Na sua opinião, um maior incentivo à construção de pontos de recarga em áreas publicas e privadas traduzir-se-á num acréscimo da utilização de veículos elétricos?
LA – A construção de pontos de recarga em áreas públicas e privadas é uma medida de infraestrutura determinante para a expansão da utilização de veículos elétricos. Todavia, há outras medidas não estruturais de igual importância. Benefícios fiscais que permitem a redução do preço dos veículos elétricos aumentam a acessibilidade desses bens por uma camada mais ampla da população, o que é importante enquanto os preços ainda se apresentam elevados em comparação com veículos movidos a combustíveis fosseis. Ademais, medidas que restringem o acesso de veículos movidos a combustíveis fósseis a certas áreas urbanas vêm demonstrando serem eficazes, a exemplo da cidade de Barcelona.
VJ – Como analisa o Acordo Verde Europeu, iniciativa chave para impulsionar a eficiência energética no setor, implicando medidas como a renovação de edifícios públicos e privados?
LA – Seria impossível tratar da eficiência energética oriunda de medidas como a renovação de edifícios públicos e privados em centros urbanos dissociada do Plano de Recuperação e Resiliência da UE, que não poderia ser excluído dessa entrevista. Tal medida permite à Comissão Europeia angariar fundos para ajudar os Estados-Membros a implementar reformas e investimentos que estejam de acordo com as prioridades da UE, disponibilizando para esse fim 723,8 mil milhões de euros (a preços correntes) em empréstimos (385,8 mil milhões de euros) e subvenções (338 mil milhões de euros). O Plano de Recuperação e Resiliência é uma peça fundamental para impulsionar as renovações prediais em centros urbanos tendo em vista a convergência da finalidade da eficiência energética com o Acordo Verde Europeu e prioridades na implementação de políticas climáticas.