Empresários do calçado temem política de Donald Trump;

Empresários do calçado temem política de Donald Trump
“Nós temos de ir para a chuva e molharmo-nos”, diz o empresário Luís Onofre sobre as empresas de calçado.
Um mês de mandato de Donald Trump já deu para perceber que o futuro das relações políticas e económicas entre os Estados Unidos (EUA) e o resto do mundo é “uma incógnita”. A expressão é da estilista Fátima Lopes, mas perpassa nas conversas dos empresários de calçado portugueses presentes na MICAM, em Milão, a meados de fevereiro. As exportações para aquele mercado aumentaram 461% desde 2010, ainda que, no mesmo período, as vendas para a China tenham crescido 3108%, para os Emirados Árabes Unidos 608%, para a Austrália 363% e para a Polónia 295%.

Questionada pela “Vida Económica” sobre o momento a que assistimos, a empresária portuguesa, cuja aposta na moda há largos anos e agora no calçado passa pela “qualidade e o design” para “competir ao mais alto nível”, está receosa pelo futuro. Nomeadamente se vier a haver um agravamento das taxas aduaneiras sobre as exportações para os EUA (ver entrevista publicada na última edição). “Espero que [Donald Trump] não venha estragar todo o trabalho que tem sido feito ao longo destes anos”, diz a estilista, que garante que “Portugal só pode sair beneficiado pela qualidade e design”.
Luís Onofre também está receoso. “Quanto aos EUA, vejo boas e más perspetivas”, começa por dizer à “Vida Económica” na MICAM, afirmando, ainda assim, que “ainda é muito cedo para falar”. A marca deste empresário ainda tem “pouca presença lá”. Aliás, diz, “queremos até fazer lá uma ação de promoção”, mas “vamos ver, também com o novo embaixador, como vão ser as coisas”. Certo é que Luís Onofre tem noção da importância deste mercado. E tem o “receio que as coisas se possam complicar, nomeadamente em termos de taxas”. A verdade é que, “se as coisas se agravarem, agravam-se para nós e para os italianos”, o grande concorrente do calçado português.
E alternativas aos EUA? “Alternativas fora dos EUA temos sempre”, garante o empresário, notando que “a Europa, embora com alguma crise, foi talvez o nosso melhor mercado”. Questionado sobre se a qualidade do nosso calçado ajuda as empresas portuguesas a saírem por entre os pingos da chuva, por assim dizer, Luís Onofre contesta: “por entre os pingos da chuva, não, porque nós temos de ir para a chuva e molharmo-nos”. E, quanto aos EUA, “temos de ir lá e ver como é que as coisas vão funcionar”.
Certa parece a intenção de Donald Trump de “taxar tudo o que vier da China”. E isso, diz Onofre, “para nós é bom, embora o nosso produto não tenha nada a ver com o chinês. Não temos qualquer tipo de hipótese de concorrência, se eles quiserem”, frisa o empresário, explicando que, ainda assim, “há uma série de marcas americanas que estão a produzir na China e que vendem para a Europa”. Em todo o caso, “já há uma tendência das grandes marcas de produzirem em Portugal, porque produzir na China já não é tão rentável quanto isso”. Caraterística que, aliada à “rapidez e qualidade – o português é muito desenrascado a produzir as coisas rapidamente e os grandes grupos cada vez funcionam mais assim – faz com que nós consigamos, mas os chineses, por exemplo, não consigam cumprir”. E dá o exemplo da marca H&M, que “faz as compras quase um mês antes”. E “nós conseguimos” cumprir.
A Macosmi também não esconde a preocupação. Com 97% da produção destinada à exportação, “para toda a Europa, EUA, Canadá, Japão e Austrália”, a empresa de São Martinho do Campo, Santo Tirso, olha hoje para o mercado americano com preocupação. “Está tudo muito instável”, diz José Machado, sócio-gerente, à “Vida Económica” em Milão, temendo que Donald Trump possa “bloquear novas oportunidades”. O empresário desabafa: “não quero acreditar que nos possam fechar as portas”.
“Temos uma forte concorrência que é a China, mas a nossa qualidade não consegue ultrapassá-la, assim como não consegue competir com a nossa capacidade de entrega e de cumprir prazos”, refere José Machado. Aliás, o sócio-gerente da Macosmi, que emprega 134 pessoas e fatura 10,5 milhões, deixa o recado: “se as fábricas não estiverem preparadas para fazerem entregas nos prazos acordados é muito mau”, afirmando que “as empresas têm de se adaptar”, nomeadamente aos modelos de negócio, que “mudaram muito”.
Foi, aliás, o que fizeram, ao investirem mais de quatro milhões de euros entre 2014 e 2016 na produção, em novos pavilhões e novas tecnologias. Hoje, produzem “250 mil pares de sapatos por ano”.
 

Calçado investe 49 milhões
na indústria 4.0 e apresenta roteiro estratégico

As empresas portuguesas de calçado vão investir 49 milhões de euros na indústria 4.0 até 2020. O objetivo é dotar as fábricas dos meios tecnológicos e humanos adequados para enfrentarem o novo paradigma da digitalização da economia, da automatização e robotização de processos.
Paulo Gonçalves, porta-voz da Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e Seus Sucedâneos (APICCAPS), explicou à “Vida Económica” em Milão, à margem da MICAM, que esses investimentos serão suscetíveis de comparticipação através de fundos públicos “na ordem dos 45%”.
João Maia, diretor-geral da APICCAPS, já havia explicado à “Vida Económica” (ver edição VE de 10 de fevereiro), que a Associação está a preparar um roteiro para a indústria 4.0. Vai chamar-se FOOTURE 4.0 e é “um documento estratégico com o pensamento e o enquadramento daquilo que queremos fazer nas empresas do setor no âmbito da economia digital nos próximos anos utilizando os apoios do atual quadro comunitário”.
O roteiro, que será apresentado publicamente “durante o primeiro semestre” deste ano, definindo “metas para o setor até 2020” e “apontando para resultados em 2025”.
 


* A jornalista viajou a convite da APICCAPS.
TERESA SILVEIRA, EM MILÃO * teresasilveira@vidaeconomica.pt, 02/03/2017
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