Impostos sobre transações financeiras têm gerado receitas modestas;

Sérgio Vasques considera que o imposto permite regular os mercados
Impostos sobre transações financeiras têm gerado receitas modestas
“Portugal tem um sistema de tributação muito complexo no setor bancário” – refere Sérgio Vasques.
O objetivo dos impostos sobre transações financeiras é mais regular os mercados e não tanto obter um encaixe significativo – refere Sérgio Vasques. Em entrevista à “Vida Económica” o ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e professor da Universidade Católica salienta que vários Estados-membros foram criando os seus próprios impostos sobre as transações financeiras e têm introduzido contribuições sobre o setor bancário que servem objetivos semelhantes.
Em sua opinião, a tributação do setor bancário é muito complexa em Portugal. Sérgio Vasques é consultor do Banco Mundial para a reforma fiscal e considera inevitável a criação de um novo imposto sobre os serviços digitais. Esse será o tema da próxima edição dos “Tax Fast Forward Webinars”, que estão a ser organizados pela Universidade Católica.

Vida Económica - A União Europeia pretende avançar com a criação de um Imposto sobre Transações Financeiras. Como analisa esta vontade de relançar politicamente este projeto?
Sérgio Vasques -
O imposto está na agenda europeia desde a crise financeira de 2008. Primeiro, surgiu como um projeto alargado a toda a União Europeia e foi posto de parte por falta de consenso. Depois, foi retomado por um grupo de 11 estados-membros, do qual Portugal faz parte, utilizando o mecanismo da “cooperação reforçada”. Mas o contexto hoje não é exatamente igual ao de há dez anos, seja porque muitos estados-membros foram criando os seus próprios impostos sobre as transações financeiras, seja porque, entretanto, se foram introduzindo contribuições sobre o sector bancário que servem objetivos próximos dos ITF.
 
VE - Até que ponto esta iniciativa surge da necessidade de financiar o combate à atual crise resultante da pandemia de Covid-19?
SV -
Esse é um facto. Mas é bom ter presente que os impostos sobre as transações financeiras, onde existem, têm gerado receitas bastante modestas. 500 milhões de euros em Itália é insignificante. A função do imposto não é tanto a de mobilizar receita, mas a de regular os mercados, penalizando operações especulativas. Por isso, não se pode esperar que daqui resulte um encaixe público significativo. Toda a experiência aponta em sentido contrário.
 
VE - Após anos de impasse nas negociações, estarão agora reunidas as condições para se alcançar um consenso? Quando será possível obter um acordo entre os países da UE?
SV -
No plano técnico, foi já feito muito trabalho. No plano político, obter o consenso é sempre difícil, mesmo entre um grupo mais reduzido de Estados-membros. Há Estados-membros que integram o grupo da cooperação reforçada e que hoje têm nele menos empenho que no passado. E outros que o não integram e que têm agora interesse em instituir um Imposto sobre Transações também. É natural que se aponte para uma versão mais ligeira do imposto, de modo a conseguir o acordo, pelo menos numa fase inicial.
 
VE - Quais poderão ser as consequências diretas e indiretas da criação deste imposto para Portugal?
SV -
Para o setor financeiro português, será mais um imposto a somar aos que existem já. Em Portugal há neste momento um sistema muito complexo de tributação do setor. O setor suporta IVA nos seus inputs, está sujeito ao imposto do selo e existem neste momento várias contribuições bancárias, para o fundo de resolução nacional e para o fundo de resolução europeu. Não é fácil ver que lugar pode ocupar o Imposto sobre Transações Financeiras  entre tudo isto. Em algum momento teremos de racionalizar as coisas.
 
Criação de um imposto sobre serviços digitais é uma fatalidade

VE - Outra iniciativa que está em curso é a revisão da diretiva europeia sobre tributação energética. O que está em causa nesta revisão?
SV -
Estão em causa coisas muito importantes: reforçar a componente ambiental dos impostos sobre os produtos energéticos e a eletricidade; rever as taxas mínimas a valer na União Europeia; racionalizar as isenções; dividir melhor as “tarefas” entre os impostos sobre os produtos petrolíferos e as licenças CO2, para evitar uma dupla penalização dos operadores económicos. Todas estas são escolhas com grande impacto para as empresas do setor e para os consumidores que suportam o peso destes impostos.
 
VE - A UE reafirmou há dias estar a planear a criação de um imposto que incidirá sobre as grandes empresas tecnológicas. Estão finalmente reunidas as condições e a vontade política para a criação de um imposto sobre serviços digitais?
SV -
Parece-me que a introdução destes impostos é uma fatalidade. Os tradicionais impostos sobre os lucros e o consumo não são capazes de dar conta do recado. A OCDE tem capitaneado os esforços no sentido de se obter uma solução harmonizada à escala global. É esperado que a apresente em novembro. Mas, no caso de esta falhar, terá de ser a União Europeia a fixar o seu próprio modelo. O acesso das grandes tecnológicas ao mercado europeu tem grande valor e os Estados membros não podem dar-se ao luxo de abdicar da receita.
 
VE - Até que ponto a criação do imposto sobre serviços digitais poderá resultar numa guerra comercial entre os Estados Unidos da América, que já manifestaram por diversas vezes a sua oposição a este projeto, e a UE?
SV -
Sem dúvida que há o risco. A reação dos EUA ao imposto francês mostra-o bem. O que isso revela é que estas coisas se fazem melhor em equipa do que de forma isolada. Será uma das várias guerras que a UE terá de comprar se quiser ter uma fiscalidade que resista à grande viragem que temos de atravessar.
FERNANDA SILVA TEIXEIRA fernandateixeira@vidaeconomica.pt, 25/06/2020
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