Profissionais de saúde entram em “burnout “;

António Lúcio Batista afirma
Profissionais de saúde entram em “burnout “
“Os cidadãos estão confusos com as medidas avulsas e reina a incerteza criada com agravamento na componente psicológica”, considera António Lúcio Batista.
Os profissionais de saúde estão sobrecarregados e sobre grande ‘stress’ físico e psíquico e muito sujeitos em alguns casos ao chamado “burnout” ou esgotamento. E a situação atual tende a agravar-se. Esta é a opinião do médico António Lúcio Batista.
“Os cidadãos estão confusos com as medidas avulsas e reina a incerteza criada com agravamento na componente psicológica. Das medidas tomadas, umas foram boas e outras um pouco erráticas.”
“Ao nível das empresas, o mesmo se pode passar e há descrições deste problema em grandes empresas internacionais, levando por vezes ao suicídio”, afirma.
Vida Económica - Dr. António Lúcio Baptista, como médico com uma visão muito ampla e transversal do ambiente clínico, que impacto sente e avalia sobre os efeitos de uma informação saturante sobre a tragédia quotidiana avançada pelas autoridades de saúde sobre os cidadãos vulneráveis?
António Lúcio Batista - A pandemia veio revelar muitas fragilidades dos sistemas de saúde em vários países, incluindo Portugal. No início da pandemia referi a um órgão de comunicação que tinha esperanças e receios. As esperanças eram centradas na localização geográfica de Portugal e na perda de virulência progressiva do vírus, o que normalmente acontece nestas situações.
A preocupação era focada na falta de camas de cuidados intensivos, sendo à data de 4,1/100 000 habitantes em Portugal, comparada com 21/100 000 habitantes na Alemanha, por exemplo.
Trata-se de uma doença infetocontagiosa sobre a qual estamos todos a aprender. Começam agora a sair a público resultados de estudos e o que estamos a assistir é que a pandemia relegou para o segundo plano doentes graves, nomeadamente do foro oncológico, com dados que começam a ser publicados e que são preocupantes. Todos os dias ouço queixas de que o Serviço Nacional de Saúde não está a funcionar, por exemplo, nos cuidados primários. Os cidadãos estão confusos com as medidas avulsas e reina a incerteza criada com agravamento na componente psicológica. Das medidas tomadas, umas foram boas e outras um pouco erráticas.
 
VE - Referiu na sua resposta os problemas da incerteza e consequente insegurança presente nos cuidados/profissionais, por exemplo, entre os mais esclarecidos e informados e os que estão apenas na rotina do seu trabalho nas empresas e na produção industrial. Ou seja, a perceção das realidades e ameaças e os seus efeitos são diferentes?
ALB - Como disse, as medidas erráticas criam incerteza em todos. Os mais informados consultam múltiplas fontes internacionais. Ao nível das empresas, as medidas a tomar vêm normalmente de cima e a informação deve ser feita “in loco” de forma muito correta e clara para captar a colaboração de todos. Nas empresas mais avançadas em que de cima a baixo os trabalhodores se consideram “colegas de trabalho”, essa motivação tem de ser da equipa e é mais fácil de obter.
 
Estado de ansiedade aumenta
 
VE - Acha que o elevadíssimo agravamento do número de baixas médicas por doença reconhecidas por um médico confirma a sua resposta anterior sobre esta ansiedade?
ALB - O estado da ansiedade só explica uma parte, talvez o agravamento das depressões reativas, mas há, para além desse fator, números de morbilidade que estão a vir a público e que mostram uma outra realidade. Eu estou a observar, no atendimento das consultas, por exemplo, doentes que não recorreram aos serviços de urgência mesmo com sintomas graves… Depois a recuperação e a baixa prolongam-se para além do razoável. 
 
VE - O Dr. António Lúcio tem evidenciado muito o problema da polimedicação. Entende que poderemos estar a viver num período como este, um agravamento, nomeadamente no consumo de ansiolíticos e psicotrópicos? Que consequências pode provocar?
ALB - Quanto à polimedicação, contra a qual tenho feito conferências, tudo leva a crer que a situação esteja a agravar-se. Teremos, no entanto, que esperar resultados fidedignos.
Há trabalhos de organismos nacionais e internacionais que evidenciam que um bom acompanhamento, principalmente dos idosos, desde a educação dos profissionais e dos próprios idosos, à higienização e antissepsia das instalações e ao controlo rigoroso da medicação, poderá diminuir o risco do contágio Covid-19.
 
“Stress” físico e psíquico
 
VE - As incertezas e as angústias de um profissional podem repercutir-se na sua família, com agravamento de patologias já existentes?
ALB - Os profissionais de saúde estão sobrecarregados e sob grande “stress” físico e psíquico e muito sujeitos, em alguns casos, ao chamado “burnout” ou esgotamento. Obviamente que, se isto já é uma evidência em médicos e enfermeiros, a situação atual só pode agravar-se. Eu próprio durante uma dura fase de treino em cirurgia passei por “burnout”, ou seja, esgotamento, e é uma situação complicada que se repercute nos que nos rodeiam. Ao nível das empresas, o mesmo se pode passar e há descrições deste problema em grandes empresas internacionais, levando por vezes ao suicídio. 
 
VE - Devem para o futuro manter-se mais elevados os níveis de proteção bacteriológica e assepsia? Considera que estes comportamentos mais exigentes devem manter-se para além de uma vacina ou corremos o risco de enfraquecer os procedimentos adotados?
ALB - Sim, sem dúvida, ficarei contente se virmos os números de taxas de infeção diminuir. Portugal tinha uma das mais elevadas taxas de infeção hospitalar na Europa – 10,5% –, enquanto a média da OCDE era de 6%.
Os hospitais e estruturas de saúde e as próprias empresas estão agora “mais limpos” e o seu pessoal entende as regras de higienização e assepsia como uma responsabilidade. Estamos à espera para ver os resultados.


Docente e consultor
 
António Lúcio Baptista tem colaborado ativamente desde 2007 em projetos de inovação com universidades e centros científicos e tecnológicos em Portugal e noutros países.
Está em andamento uma nova valência de cruzamento de áreas diversas do conhecimento, na robótica, nos têxteis, no calçado, nos produtos alimentares e outros. Há novas alavancas tecnológicas.
António Lúcio Baptista colabora ativamente com o IPCA – Instituto Politécnico do Cávado e do Ave e Universidade do Minho no projeto LaserNAVI, um dos finalistas mundiais ao prémio KUKA Innovation Award em Düsseldorf, e é consultor da plataforma Fibrenamics, da Universidade do Minho. É docente de pós-graduação médica da Universidade de Alcalá, em Madrid, e colabora em pós-graduações e teses de mestrado com a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. É consultor em saúde para várias organizações e universidades. 

 


Susana Almeida, 22/10/2020
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