Pobres e mal agradecidos;

Pobres e mal agradecidos
O Governo acaba de apresentar a nova versão do Plano de Recuperação e Resiliência que aponta as prioridades e os recursos para a saída da crise. O objetivo assumido é o aproveitamento integral dos 15,3 mil milhões de euros em apoios a fundo perdido através do Fundo de Recuperação e o eventual acesso a 2,7 mil milhões de euros em financiamentos reembolsáveis.
Ao preferir as subvenções a fundo perdido e relegar para segundo plano os financiamentos, Portugal pode abdicar de 10,8 mil milhões de euros, ou seja, 40% dos recursos disponibilizados pelo Fundo Europeu de Recuperação. Assim, na perspectiva de Portugal, o orçamento global de 750 mil milhões de euros é reduzido a 450 mil milhões de euros.
Na nova versão do PRR, o Governo admite sem grande convicção a possibilidade de utilizar 2,4 mil milhões de euros em financiamentos, ou seja, apenas 22% do total de recursos que a Comissão Europeia disponibiliza a Portugal sob a forma de financiamento para apoiar a recuperação.
A ambição curta do nosso país tem um lado quantitativo e um lado qualitativo.
No plano quantitativo, a não utilização dos financiamentos significa menos recursos de capital para apoiar a recuperação e o crescimento.
No plano qualitativo, revela menos ambição quanto à sustentabilidade e ao retorno dos investimentos.
Nos apoios a fundo perdido o principal objetivo é gastar o dinheiro dentro dos objetivos definidos numa lógica de despesa e não tanto numa ótica de investimento, onde é necessário cuidar do retorno  e demonstrar a viabilidade.
Nessa perspetiva, os apoios a fundo perdido são melhores e de mais fácil acesso, havendo menos exigência em termos da sua justificação e utilização. E, por isso,  os fundos podem servir para adiar as reformas, em vez de as acelerar.
Mas, para a atividade económica, os melhores apoios não são as subvenções a fundo perdido. São os financiamentos reembolsáveis na linha que estava a ser seguida pela Comissão Europeia antes da pandemia.
Os financiamentos têm um valor nominal semelhante às subvenções a fundo perdido. Mas, nos financiamentos há uma seleção natural que afasta os projetos menos sustentáveis que ambicionam o apoio a fundo perdido como único “destino” e atraem os melhores projetos que são aqueles  que assumem o propósito de gerar condições de reembolso e responsabilizam os promotores no cumprimento dos objetivos.
Para um país com falta de capital, baixos níveis de poupança e escassez de recursos para investimento, abdicar de financiamentos de longo prazo assegurados pela Comissão Europeia, com taxas de juro próximas de zero, é um contrassenso sem qualquer justificação.
Ao apostar tudo nos apoios a fundo perdido, o Governo também se pode enganar quanto à facilidade no acesso aos recursos. De facto, em resposta à primeira versão do PRR, apresentada em outubro passado, a Comissão Europeia já pediu fundamentação das despesas, detalhe dos custos, detalhe das metas e ligação das despesas às reformas que se pretendem introduzir, sinalizando que não chega o anúncio de boas intenções e que não se comove com a necessidade.
Se Portugal abdicar dos financiamentos disponibilizados pelo Plano de Recuperação, irá assumir a falta de ambição quanto à utilização de recursos para promover o investimento sustentável. E também não terá muita margem de manobra para adiar as reformas apontadas no âmbito do semestre europeu nem para ignorar as linhas de orientação que a Comissão Europeia recomendou a cada um dos Estados membros.
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