A Camisola Poveira: um caso de apropriação cultural;

A Camisola Poveira: um caso de apropriação cultural
O caso da Camisola Poveira de Tory Burch, além de ter causado uma profunda revolta entre os portugueses de norte a sul do país, também uniu o povo em torno da defesa das suas tradições. Em causa está a apropriação, por uma conhecida designer norte-americana, de um modelo tradicional associado à cultura e tradições das gentes da Póvoa de Varzim, a Camisola Poveira, um caso típico de apropriação cultural.
A apropriação cultural é uma prática que, infelizmente, se tem vindo a tornar cada vez mais habitual. Desde a cópia de um traje sagrado Inuit à utilização de motivos tribais das tribos do Canadá, a bordados de tribos indígenas sul-americanas, várias foram as marcas acusadas de apropriação cultural nos últimos anos. Por exemplo, em 2019, o Governo mexicano acusou a marca Carolina Herrera de apropriação cultural e plágio pelo uso de padrões e tecidos indígenas na sua coleção Resort 2020.
Contudo, nem todo o panorama é negativo, já existem vários exemplos de marcas e designers que decidiram colaborar ativamente com os detentores de expressões culturais tradicionais. A coleção Cruise 2020 apresentada pela Christian Dior em Marraquexe em abril de 2019, é um exemplo da crescente consciencialização por parte da indústria da moda no que concerne à importância de respeitar as diversas culturas do mundo. A coleção homenageou a criatividade e habilidade dos criadores africanos de tecidos estampados em cera.
No caso da camisola comercializada pela marca Tory Burch, não só se trata de um modelo idêntico à Camisola Poveira como a marca não fez qualquer referência a Portugal ou à Póvoa de Varzim quando divulgou o artigo na sua página de internet, pelo contrário, disse erradamente tratar-se de uma criação original inspirada na “baja” mexicana.
Ora, em última análise, é isto que a apropriação cultural faz: não dá crédito às origens culturais do produto e, portanto, dissocia-o das suas raízes. Notemos que esta camisola não é apenas uma peça de vestuário, trata-se de um elemento intimamente ligado à identidade e à história da Póvoa de Varzim, motivo pelo qual copiar um determinado design sem qualquer consideração pelo significado cultural subjacente pode erodir a identidade de toda a comunidade a que pertence.
A solução para problemas como este passa pelo registo de desenho ou modelo. Trata-se de um processo relativamente simples e acessível que permite agir judicialmente contra quem copia ou se apropria indevidamente de um determinado desenho ou modelo.
O nosso país e a nossa cultura são ricos em criações que podem vir a ser utilizados no futuro por outras marcas internacionais. Por forma a evitar que tal aconteça ou a minimizar os estragos daí decorrentes, é fundamental que as comunidades se unam e obtenham aconselhamento jurídico especializado que desde logo lhes permitirá ter uma maior capacidade negocial.
Joana Whyte, Advogada Associada da Next-Gali Macedo e Associados, 08/04/2021
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