Corrupção em Portugal: os custos de contexto para os contribuintes – Parte III;

Corrupção em Portugal: os custos de contexto para os contribuintes – Parte III
O termo “custos de contexto”, normalmente, está associado a falhas na regulação das atividades económicas, na legislação, ou na rapidez da aplicação da justiça, mas também aos preços distorcidos pelos efeitos perversos que gera a intervenção do Estado na livre concorrência (veja-se por exemplo o escândalo do custo da eletricidade para o consumidor português, o mais alto na Europa), ou aos serviços deficientes, burocráticos, lentos, desesperantes, prestados pelo Estado, que temos que aceitar.

Tudo isto esmaga, emperra, deturpa, encarece, torpedeia as atividades económicas exercidas pelas empresas, e pesa consequentemente na produtividade do país (das piores da Europa também), encarecendo aquilo que o consumidor / contribuinte deve pagar por bens e serviços em Portugal.
Sempre me questionei porque é que nunca vi a corrupção associada formalmente ao termo dos custos de contexto. Como veremos nesta III (e última) parte da série de artigos de opinião que decidi escrever sobre este escabroso tema, a corrupção é de longe o “custo de contexto” mais pesado para os cidadãos de um país.
São milhares de milhões de euros que desaparecem nesse ignóbil “buraco negro”, enriquecendo uns poucos de maneira pornográfica, quando esse dinheiro seria indispensável e vital para investir em serviços públicos essenciais. Educação, Saúde (salvar e melhorar o SNS!), Habitação acessível a custos controlados para jovens, idosos, e franjas desprotegidas da sociedade, digitalização e eficiência nos serviços do Estado (o que está aí, motivado pela pandemia, é uma vergonha, tentem renovar papelada, desalfandegar o que quer que seja, ou tratar de obter uma resposta da Segurança Social sobre a vossa reforma...!), Serviços de proteção e segurança (polícia e bombeiros) eficientes, e não malandros, vivaços e aproveitadores (exceções, que as há, confirmam a regra, em particular nas polícias), etc.
Há uns tempos atrás, tratando de obter dados concretos sobre os custos concretos da corrupção para os contribuintes em Portugal, descobri um link que me deu acesso a um estudo feito pelo Parlamento Europeu com o sugestivo título “ The Cost of Non-Europe in the area of Organized Crime and Corruption”.
O correspondente link para quem quiser analisar as quase 180 páginas deste Anexo II do estudo é:
http://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/STUD/2016/579319/EPRS_STU%282016%29579319_EN.pdf
Deixem-me só mencionar, antes de ir para os números de Portugal, que o montante ANUAL que o PIB da Europa (UE28) perde para a corrupção é estimado em 904 mil milhões de euros!
Para dar ao meu caro leitor uma possibilidade de comparação, e continuando a citar o estudo do Parlamento Europeu, este montante permitiria
- acabar com a fome no MUNDO inteiro: 229 mil milhões de euros anuais
- eliminar a malária no mundo: 4 mil milhões anuais
- dar água segura e serviços de saneamento básico a toda a população do mundo: 129 mil milhões de euros
- fazer o investimento necessário para que toda a população mundial possa ter eletricidade até ao ano de 2030: 45 mil milhões anuais
e ainda sobrava uma “pipa de massa”, uns 500 mil milhões de euros, para muitos outros projetos ligados à Educação, à Saúde (vacinas para todos a tempo e horas...), etc..
Ou seja, bastava eliminar a corrupção na Europa (28 países dos 195 que há no mundo) para poder dar a toda a população mundial uma vida melhor, erradicando a fome e as principais doenças de uma vez por todas (a maior vergonha para a Humanidade). Isso acabaria de vez com a tentativa de milhões de desgraçados tratarem de vir ilegalmente para a Europa, abandonando os seus países, onde certamente prefeririam viver se não morressem à fome.
E então em Portugal ? Sentem-se por favor. Segundo o estudo do Parlamento Europeu, em Portugal a corrupção gera um golpe anual (!) ao PIB de 18 mil e duzentos milhões de euros, ou quase 8% do PIB.
Para colocar esta escandaleira inenarrável em contexto comparativo aqui também, o montante que se perde anualmente para esquemas de corrupção daria para (tudo valores anuais):
- financiar na totalidade o orçamento gasto na Saúde (16 mil milhões de euros)
- financiar 10 vezes o orçamento destinado ao apoio aos desempregados (1, mil milhões anuais)
- financiar 9 vezes o orçamento destinado às nossas forcas de segurança pública (1,9 mil milhões de euros)
- financiar 72 vezes o orçamento destinado aos bombeiros (251 milhões de euros).
- financiar mais de 314 vezes o orçamento destinado à habitação (58 milhões de euros)
- financiar mais de 9 vezes o orçamento destinado às famílias e às crianças
- financiar mais de 7 vezes o orçamento destinado a invalidez e doença (2,4 mil milhões de euros).
O estudo, na parte correspondente a Portugal, indica que 92%da população acha que a corrupção é ampla e generalizada, indica também que 79% dos portugueses acham que faz parte da cultura de negócios em Portugal, e ainda que 84% daqueles que responderam ao inquérito consideram que a corrupção é inaceitável.
Se cada português tivesse acesso aos números da corrupção que estão publicados no estudo, e aqui parcialmente reproduzo, acredito que o grito de revolta seria ainda mais esmagador, apesar de sermos uns “mansos” ... (a tua tia é que é mansa, pá, como diria o Sócrates...).
Nunca se atingiriam os 100% obviamente, porque há uma franja de políticos e de sabujos que vivem como sanguessugas agarrados à pele dos partidos no poder, que beneficiam dos esquemas que giram em torno do Orçamento de Estado. Mas conseguir-se-ia avançar e ficar próximo daqueles países que estão no topo do combate à corrupção (Suíça, Finlândia, Nova Zelândia), e que graças a isso são os países mais ricos, com maiores índices de qualidade de vida, e com maiores índices de felicidade das suas populações.
Agora diga-me, caro leitor. De quem é a culpa desta situação ? Fácil resposta, é nossa, de todos nós, efetivamente. Nunca se perguntou porque é que os partidos de esquerda, em particular o PCP e o BE, não “perdem tempo” com isto ? Porque acabando a corrupção, e havendo uma melhoria substancial na vida dos cidadãos,  eles acabavam de vez também. Eles vivem da miséria e do lumpen-proletariado, tal como a extrema-direita, que agora anda por aí a dar um ar da sua graça. Com uma classe média ampla, e com poder económico forte, os extremos do espectro político morrem à míngua.
Não teria sido tão fácil a estes dois partidos, há seis anos atrás, terem dito a António Costa que só apoiariam a “geringonça” se, logo nos primeiros meses de governação, saísse legislação dura para regular transparentemente a contratação pública e uma moldura penal brutalmente agravada para quem fosse apanhado ? E com facilidades maiores em termos de produção de prova, para que polícias e juízes possam ter ferramentas para acabar de vez com essa pandilha de assaltantes do Orçamento de Estado ?
E porque será que os partidos do chamado “arco de governação” (PS em primeiríssimo lugar, pois nos últimos 25 anos foi governo em pelo menos 19 deles, PSD em força  também e, em menor escala, o CDS) falam muito do tema, mas fazem pouco para o resolver concretamente ? Será porque a “ocasião faz o ladrão” ? É que já vimos de tudo, desde primeiros-ministros a ministros de Estado, a secretários de Estado, a presidentes de Câmara, a vereadores, a gestores de empresas públicas, a deputados, etc. envolvidos na mixórdia, e são de todos os quadrantes políticos.
Enquanto continuarmos a votar neles, sem fazer pressão para que legislem duramente para acabar com a corrupção, eles sentem-se mandatados para continuar a meter o dedo no “jarro do mel”, e a ser lenientes com os que são apanhados com a mão na botija.
Temos hoje a antiga PGR, por quem tenho enorme respeito, a dizer em parangonas nos jornais que a “estratégia de combate à  corrupção do Governo é pouco ambiciosa”. Se pudesse, perguntar-lhe-ia no entanto o que fez, enquanto lá esteve, para influenciar uma que fosse mais ambiciosa.
E temos a ministra da Justiça, por quem já tive mais apreço, quando a vi militantemente motivada (no início do seu mandato) para abraçar o projeto de combate à corrupção, a dizer recentemente que há áreas, precisamente as mais propícias à corrupção (enriquecimento injustificado, financiamento partidário e fiscalização das autarquias), que ficarão de fora da política de combate à corrupção do Governo.
E aceitamos isto ? Se aceitamos, então merecemos o que temos. Dêmos logo total razão ao Sócrates (o Ivo Rosa provavelmente irá fazê-lo por nós), pois o facto é que somos mansos, como a nossa tia.
José António de Sousa Economista, Gestor e Investidor, 08/04/2021
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