Trump sem efeitos nos mercados;

Indicam à “Vida Económica” especialistas
Trump sem efeitos nos mercados
A eleição de Donald Trump não teve, ainda, efeitos nefastos na economia e nos mercados.
Os primeiros quase dois meses (fará a 19 de março) de mandato de Donald Trump como Presidente dos Estados Unidos não tiveram impactos negativos nos mercados, de acordo com os especialistas ouvidos pela “Vida Económica”. As mesmas fontes avisam, porém, que eventuais medidas políticas de Trump, mas também a negociação para a saída do Reino Unido da União Europeia, podem vir a mudar esse cenário.
José Lagarto, gestor de ativos da Orey Financial, fala em máximos históricos. “Os índices norte-americanos têm vindo a negociar em máximos históricos e, no espaço do primeiro mês de Trump, o S&P500 valorizou cerca de 3,5%, o Dow Jones 4,3% e o Nasdaq em torno de 5,2%. Na Europa, o Eurostoxx 50  ganhou cerca de 0,8% nesse mês, tendo sido observada alguma volatilidade, entre mínimo e máximo, o índice o registou uma amplitude em torno de 4%. Nos diversos índices europeus a situação é semelhante à do índice de referência europeu”, disse à “Vida Económica”.
O dólar americano tem igualmente registado ganhos neste período. De acordo com a nossa fonte, essa subida foi impulsionada “pelas expectativas em torno de uma maior agressividade na subida de taxa de juro, pois os dados macroeconómicos que têm vindo a ser conhecidos, colocam os níveis de inflação, emprego e crescimento, muito perto dos objetivos delineados pela Reserva Federal”.
O gestor de ativos da Orey Financial salienta que, “em momento algum neste primeiro mês se assistiu a qualquer movimento de pânico”, com o índice de volatilidade VXX em mínimos históricos. “Podemos desta forma afirmar que o primeiro mês do mandato de Trump teve claramente um saldo positivo, para os mercados financeiros em geral”, acrescenta.
Eduardo Silva, gestor da corretora XTB, tem opinião semelhante. “O sentimento positivo continua a marcar a tendência das principais praças mundiais. Nos EUA, os quatro principais índices registaram valores recorde de sempre, impulsionados pela expetativa de que o ambicioso plano de estímulos económicos de Trump garanta crescimento, pelo menos no curto prazo”, indica.  
O mesmo responsável acrescenta que o dólar segue perto de máximos anuais. “Além da inflação a manufatura, o retalho e o emprego têm vindo a aumentar a probabilidade de um aumento da taxa de juro, possivelmente já em março”, indica Eduardo Silva.
“Assistimos assim ao escalar da divergência das políticas monetárias, principalmente depois de Draghi ter referido que mesmo com a inflação a 2% a política expansionista é para manter pelo menos em 2017, fator que deverá manter o euro pressionado. Na Europa, apesar de notarmos alguma contenção nos principais índices, podemos destacar que o índice de referência europeu Stoxx 600 tem tido um registo positivo, desde o início do ano”, salienta o gestor da XTB.

“Incerteza em aberto”

A nossa fonte salienta, porém, que não houve alarmismo exagerado dos analistas com a eleição de Trump e a votação dos britânicos pelo Brexit. “O risco é total, apenas estamos numa fase de incerteza em que está tudo em aberto, qualquer dos eventos aumentaram o risco nos mercados, no entanto ninguém espera que tudo se precipite no imediato, pois são eventos de longo prazo. Existem muitas indefinições que poderão ou não vir a desenvolver um cenário negativo, para já o sentimento positivo nos mercados é reflexo da expetativa de que o crescimento mundial  a acelerar possa atenuar o impacto do Brexit e da eleição de Trump, pelo menos no curto prazo”, explica Eduardo Silva.
José Lagarto, gestor de ativos da Orey Financial, está de acordo. “Os mercados financeiros reagem por norma muito mal a acontecimentos marcadamente disruptivos, que criam sempre níveis de incerteza elevados. O Brexit e a eleição de Donald Trump estiveram (e estão) claramente dentro desse grupo. Numa primeira abordagem temos estes dois eventos claramente favoráveis aos mercados, principalmente a eleição de Donald Trump, já que no caso do Brexit assistimos a algum pânico inicial que foi bastante menos observado com a eleição de Trump”, indica.
A mesma fonte avisa que ainda é cedo para conclusões mais concretas. “A verdade, é que o verdadeiro Brexit ainda não aconteceu, e como sempre, ‘o diabo está nos detalhes’ e esses ainda vêm a caminho. Em relação a Trump, muito tem sido anunciado e ainda nada foi feito. Caso a entrega de medidas seja demasiado tardia ou falhe os objetivos propostos, poderemos voltar a olhar para os possíveis ‘alarmismos’ dos analistas”, conclui Lagarto.

 “Dúvidas sobre crescimento em 2017”

Também em relação às previsões económicas para 2017, o gestor de ativos da Orey Financial volta a colocar a tónica na incerteza. “Com a normalização da política monetária nos EUA, 2017 poderá apresentar um cenário onde a incerteza permanece como denominador comum, com taxas de crescimento económico modestas, expectativas de uma política orçamental neutral na Europa e uma política fiscal expansiva nos EUA”, indica.
A nossa fonte explica que, recentemente, observaram-se “algumas melhorias no crescimento económico global, o que poderá contribuir para algum momentum”. O consumo deverá, de acordo com José Lagarto, continuar a contribuir para ancorar o crescimento nas economias dos países desenvolvidos, ainda que possa manter-se em níveis modestos levando a que a situação de sobrecapacidade produtiva se mantenha. “Caso venha a materializar-se uma política orçamental mais expansiva nos EUA, a taxa de crescimento poderá ser revista em alta”, acrescenta.
Na Europa, embora o BCE se “mantenha suportativo e os níveis de liquidez elevados”, as perspetivas são “de crescimento modesto”. “Se por um lado, a fragilidade do setor bancário europeu, com destaque para o italiano, continua a ser um constrangimento ao crescimento económico do bloco, por outro, o calendário político intenso em 2017 e o desenrolar do processo de abandono do Reino Unido da EU são potenciais fatores de risco adicionais”, indica.
O crescimento do bloco emergente poderá, segundo a nossa fonte, “ser negativamente impactado” por potenciais subidas de taxas de juro nos EUA, devido à correção consequente do preço das matérias dos quais são produtores e via aumento do serviço da dívida.
O mercado português inserido na realidade europeia e economia aberta acaba por ser muito sensível ao enquadramento europeu. “Embora o programa de compra de ativos que o BCE irá manter até finais de 2017 contribua para manter o prémio de risco euro em níveis estáveis, com especial destaque para as economias periféricas, as perspetivas de crescimento económico e resultados são modestas, com um sector bancário ainda com muitas fragilidades”, remata o gestor de ativos da Orey Financial.
Eduardo Silva, gestor da corretora XTB vê alguns riscos em 2017. “Com vários processos eleitorais de grande importância na Europa, existe um enorme risco político para o euro e para o projeto europeu. Os investidores estão sob alerta. O euro está a cair e as exportadoras europeias são as grandes beneficiadas com este movimento cambial. Esta divergência entre as políticas monetárias deve manter o euro sob pressão contra o dólar, podendo levar a moeda única a valer o mesmo, ou menos, que a divisa norte-americana já ainda este ano”, explica.
A nível nacional, o especialista chama a atenção para o setor da construção. “A Mota-Engil, cujos contratos são maioritariamente denominados em dólares americanos poderá valorizar com a apreciação da moeda norte-americana. Os negócios em África e na América Latina deverão assumir um papel cada vez mais preponderante nas encomendas da construtora”, refere.
“No sentido inverso as retalhistas como a Sonae e retalhistas/grossistas como a Jerónimo Martins poderiam sentir dificuldades na medida em que forem encarecidas as importações de produtos alimentares e não-alimentares, o que poderia pressionar as margens de lucro.  A procura interna deverá atenuar a pressão sobre o PSI-20”, remata Eduardo Silva.
Aquiles Pinto (aquilespinto@vidaeconomica.pt), 10/03/2017
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