Processos de asilo e modalidades de ping-pong
Sofia Pinto Oliveira
Professora Auxiliar na Escola de Direito da Universidade do Minho
A definição pelo legislador do procedimento de asilo é um exercício difícil.
A celeridade é um aspeto fundamental. A vida das pessoas que requerem asilo não se compadece com períodos de espera desnecessariamente longos, em que as pessoas permanecem provisoriamente no país sem certezas quanto ao seu futuro. Além disso, a eficácia do sistema depende de uma decisão rápida – que possa dar proteção a quem dela necessite e recusar a quem dela não carece.
Por outro lado, uma boa instrução do procedimento exige que se reconheçam aos requerentes de asilo um conjunto de garantias que exigem tempo e dinheiro. É preciso ouvir o que os requerentes têm a dizer e assegurar a sua participação ativa durante o procedimento – o que exige, muitas vezes, bons serviços de intérpretes e de tradutores.
A lei tem de prever uma tramitação com prazos curtos, mas não irrazoáveis. Ora o legislador tem, muitas vezes, caído nesta armadilha. Propõe prazos curtos em que devem ser apreciados elementos complexos e, depois, o resultado são decisões em que ou não se cumprem os prazos ou que surgem pouco ponderadas e pouco fundamentadas no final de procedimentos que comprimiram insuportavelmente um mínimo de garantias que não pode ser recusado.
Um dos aspetos mais controversos nas leis de asilo portuguesas das últimas décadas (mais precisamente desde a lei do asilo de 1993) foi o recurso às autoridades judiciais. Todas as intervenções legislativas – de 1998, de 2008 e de 2014 – provocaram alterações na regulação do acesso aos tribunais. Estas foram sempre discutidas em diálogo com a evolução europeia – quer a que resultou de atos adotados no quadro da União Europeia quer a que resultou de Acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
Em nome da celeridade, tentou impedir-se o acesso de grande parte dos requerentes ao juiz (no caso dos procedimentos acelerados, criados em 1993) ou fixar um prazo de 72 horas para os tribunais administrativos decidirem se a decisão de inadmissibilidade do SEF de um pedido apresentado no posto de fronteira deveria manter-se ou se a respetiva impugnação deveria julgar-se procedente (prazo previsto na lei de 2008, entretanto alterada, e que – tanto quanto sabemos – nunca foi cumprido por nenhum tribunal administrativo no tempo em que esteve em vigor).
Ao nível da União Europeia – que assume, hoje, o papel de grande legisladora nesta matéria –, tentou criar-se uma via de acesso aos tribunais que conciliasse aquelas exigências de celeridade com o respeito devido aos direitos dos requerentes. A fórmula encontrada – e vertida na Diretiva Procedimentos de 2013 – foi a seguinte: recurso efetivo, que inclua a análise exaustiva e ex nunc da matéria de facto e de direito, prazos razoáveis e outras regras necessárias para o requerente exercer o seu direito de recurso. Os Estados-Membros devem autorizar os requerentes a permanecer no território até ao termo do prazo em que podem exercer o seu direito a um recurso efetivo ou, quando este direito tenha sido exercido dentro do prazo, enquanto aguardam o resultado do recurso – artigo 46.°, números 3, 4 e 5, da Diretiva 2013/32/UE.
A parte mais obscura da fórmula é a que se refere à análise exaustiva e ex nunc da matéria de facto e de direito. Sobre ela já se pronunciaram vários Acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia, mas o seu alcance ainda continua a suscitar muitas dúvidas e a originar muitos reenvios prejudiciais ao Tribunal de Luxemburgo. Nestes processos, a dificuldade de conciliação destas exigências com as práticas próprias de cada Estado e de cada sistema judicial tem ficado evidenciada.
Em Portugal, não se tem discutido muito o impacto de tais normas e o desafio que elas representam para os nossos tribunais. A lei portuguesa que transpõe a Diretiva não se refere àquela exigência e limita-se a garantir o efeito suspensivo automático da impugnação judicial. Como estarão os tribunais portugueses (em particular, os de primeira instância) a interpretar o que exige uma análise exaustiva e ex nunc da matéria de facto e de direito? É questão à qual não conseguimos dar resposta.
Penso que devemos estar muito atentos também à jurisprudência que se vai desenvolvendo no Tribunal de Justiça da União Europeia sobre o assunto. O último Acórdão relevante sobre a matéria foi proferido em 29 de julho deste ano, no caso Torubarov (Processo C-556/17).
Estava em causa um pedido de asilo de um empresário russo apresentado na Hungria em 2013. Perante uma decisão negativa, o requerente apresentou pedido de fiscalização jurisdicional da decisão administrativa, que, por sentença de 6 de maio de 2015, anulou a decisão e ordenou novo procedimento. O Tribunal considerou que a primeira decisão administrativa continha contradições internas, que não tinha investigado grande parte dos factos e que tinha apreciado de forma aleatória os factos apurados. O Tribunal ordenou à Administração que completasse as suas informações relativas ao país de origem e que procedesse a um exame exaustivo dos factos e das provas no novo procedimento. Na sua segunda decisão, proferida em 22 de junho de 2016, a Administração voltou a indeferir o pedido de asilo. O requerente impugnou a segunda decisão administrativa. Na sua segunda sentença, de 25 de fevereiro de 2017, o Tribunal anulou esta decisão. Considerou que a decisão era ilegal por duas razões: em primeiro lugar, devido à apreciação manifestamente incoerente da informação relativa ao país de origem e, em segundo, por se basear no parecer emitido pelo Gabinete de Proteção da Constituição húngaro, que continha dados confidenciais. O Tribunal ordenou à Administração que repetisse novamente o processo. Na sua decisão de 15 de maio de 2017, a Administração indeferiu o pedido do recorrente (terceira decisão administrativa), deixou de invocar o parecer referido supra, no entanto, reiterou que não tinha sido demonstrado ser fundado o receio do recorrente de perseguição por motivos políticos. À terceira, o Tribunal decidiu dirigir uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia para saber se: “Deve o artigo 46.°, n.° 3, da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional, em conjugação com o artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, ser interpretado no sentido de que os tribunais húngaros podem alterar as decisões administrativas da autoridade competente em matéria de asilo de não concessão da proteção internacional, bem como conceder a referida proteção?”
As conclusões do Advogado-Geral Michal Bobek sobre este caso, apresentadas em 30 de abril de 2019, começam assim:
“1. O ténis de mesa (ou, na denominação comercial, «ping-pong») é um desporto popular cujas origens parecem remontar ao século XIX ou início do século XX, em Inglaterra. «O objetivo [do jogo] é atingir a bola de modo a que esta salte por cima da rede até à metade da mesa do adversário de modo a que este não possa atingi-la ou devolvê-la corretamente». A Encyclopædia Britannica acrescenta um facto histórico intrigante a esta definição básica: «os primeiros campeonatos mundiais foram realizados em Londres em 1926, e desde então, e até 1939, o jogo foi dominado por jogadores da Europa Central, tendo as equipas masculinas vencido as competições nove vezes pela Hungria e duas vezes pela Checoslováquia».
2. Existe, infelizmente, outra variedade do jogo que é geralmente menos agradável. Na gíria jurisdicional checa, e talvez de um modo mais geral, o «ping-pong processual» ou «judicial» refere-se à situação indesejável em que um processo anda num vaivém contínuo entre órgãos jurisdicionais no âmbito da estrutura judicial, ou, no contexto da justiça administrativa, entre os tribunais e as autoridades administrativas.
3. O presente processo e as questões que este revela poderiam justificar a hipótese de que a popularidade do jogo na Europa Central, infelizmente na sua última versão judicial, ainda não está limitada aos livros de História e enciclopédias.(…)”
Muitas questões se podem colocar sobre um caso como este. Limito-me agora às seguintes. Seria este caso possível em Portugal? Poderia, no atual enquadramento legal, um pedido entrado em 2013 estar ainda por decidir? E qual seria o sentido de decidir em 2019 um pedido de alguém que se encontra no território nacional há seis anos? Cabe recordar que, em Portugal, o requerente, após cinco anos de residência legal em território nacional, já estaria em condições de pedir a nacionalidade portuguesa.