Os próximos cinquenta anos;

Os próximos cinquenta anos
Uma democracia imperfeita, nas palavras do Presidente da República, mas que assegura ao menos a liberdade de nos manifestarmos e de escolhermos quem nos governa, por muito que erremos nas opções. Esta pode ser a melhor síntese dos cinquenta anos do “25 de abril”, que se comemoraram na semana passada, quase numa concordância unânime, do mesmo modo que quase todos esperavam mais da “revolução dos cravos”.
 
Se olharmos agora para a frente, daqui a cinquenta anos, que desafios tem o país para enfrentar?
Desde logo a demografia, que continua excluída das agendas da política e dos políticos, mas que é o mais importante repto que se apresenta ao país. A acreditar nos prognósticos de especialistas, Portugal daqui a cinco décadas terá menos de oito milhões de habitantes, mesmo que na sua composição tenha mais de 15% de população estrangeira ou nascida em outros países. Será um país mais envelhecido, com uma pirâmide etária em que os cidadãos com mais de 60 anos poderão suplantar todos os demais, tornando-se insustentável enquanto Estado Previdência, pois pode não conseguir assegurar pensões ou mesmo os mínimos de um Serviço Nacional de Saúde, pressionado por uma população idosa. 
As alterações geopolíticas e geoeconómicas não vão no sentido de afirmar a posição estratégica do país, pois o epicentro das decisões globais transferiu-se para o Pacífico e aí se irá manter até final do século, isto se não eclodir um conflito regional ou internacional de grande magnitude e que forçosamente nos envolva, dadas as responsabilidades que temos na NATO e nos compromissos assumidos na adesão à União Europeia. Ficar na periferia dos acontecimentos poupou-nos, em alguns momentos da História, sofrimento e sangue, mas afastou-nos das vantagens quando elas surgiram, nomeadamente o desenvolvimento económico e social.
A transição energética e o aquecimento global deveriam preocupar-nos com mais intensidade, pois o futuro promete uma costa marítima dramaticamente erodida, uma região sul assolada pela seca persistente e continuada, e alterações climáticas que colocam em causa a produção agrícola que ainda vamos fazendo, podendo fazer desaparecer culturas de que dependemos economicamente enquanto país como a vinha e o vinho. 
O “25 de abril” tinha 3 “D” para cumprir: a democratização, que fez com razoável sucesso, a descolonização, que realizou de forma atabalhoada e trágica, tanto para as populações naturais das então províncias ultramarinas, que ficaram, enfrentando guerras civis e autocracias violentas, e as que tiveram de regressar como “retornados”, na mais extrema miséria, e o desenvolvimento, pois apesar de se terem atingido níveis de conforto equivalentes aos melhores do mundo, como a longevidade, a mortalidade infantil, ou a descida do analfabetismo, entre muitos outros, muito ficou por alcançar, sendo talvez a maior sombra do balanço dos cinquenta anos de democracia e liberdade, uma vez que estamos ainda muito longe da média comunitária em termos de rendimento e não conseguimos encontrar uma fórmula certa e consistente para crescer.
O regime que nasceu do “25 de abril”, apesar das derivas do PREC, encontrou uma estratégia para se afirmar, desde logo com a adesão à CEE, comprometendo-se com um futuro comum europeu, achando que, através do uso sistemático de fundos comunitários, a convergência e a coesão nos iriam nivelar com os nossos parceiros da Europa. Se houve um momento que tal pareceu fazer sentido e os resultados se tornaram visíveis, também é certo que, sobretudo após a adesão ao euro, o país estagnou, perdeu-se em experiências governativas difusas, desfocou-se do essencial, tornando-se dependente dos subsídios da Europa, em vez de os usar para alavancar os necessários investimentos internos.
É necessário encontrar uma estratégia para Portugal que esteja acima das alternâncias governativas, dos pequenos interesses do Poder e de quem o exerce, com a necessária coragem para romper com o centralismo ancestral, que, para dar artificialmente vitalidade a Lisboa, seca tudo o resto, e para enfrentar o silencioso e sinistro inimigo, que não tem rosto nem dono, mas que tudo atrofia e que é a burocracia, na qual se acha  justificado um Estado cada vez maior, mais gordo, mais ávido de recursos, que o país tem cada vez menos. Só assim inverteremos o ciclo de declínio, de pobreza, de abandono do país pelos mais qualificados e capazes, tornando-o atrativo, por seu turno, para o investimento estrangeiro reprodutivo, fixando não apenas reformados ricos, mas jovens de todo o mundo que aqui possam cumprir os seus projetos e sonhos.
Não estarei aqui daqui a cinquenta anos, mas gostava que alguém, nesse balanço, me desse alguma razão.
Paulo Vaz - Jurista e Gestor, 02/05/2024
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