Nova Lei de Dados vai facilitar acesso e reduzir custos das PME;

Maria da Graça Carvalho defende eliminação das barreiras burocráticas
Nova Lei de Dados vai facilitar acesso e reduzir custos das PME
“Não é por acaso que os dados são considerados o “ouro” dos nossos tempos” – afirma Maria da Graça Carvalho.
As empresas devem ter maior facilidade e menos custos no acesso aos dados – defende Maria da Graça Carvalho. Em entrevista à “Vida Económica”, a  eurodeputada e relatora-sombra da nova Lei de Dados enquadrada na estratégia digital da Comissão Europeia considera necessário contrariar a hegemonia da Amazon, Microsoft e Alphabet (Google) que dominam mais de 70% do mercado de dados.
O novo regulamento proposto pela Comissão Europeia pretende assegurar um maior equilíbrio no ambiente digital, estimulando a concorrência no mercado de dados e criando oportunidades para a inovação baseada em dados.
A Lei dos Dados deve proporcionar um ganho para a economia europeia estimado em 270 mil milhões de euros nos próximos 5 anos. Para atingir esse objetivo é fundamental assegurar uma participação ativa das PME e garantir o direito de acesso aos dados e não apenas a imposição de obrigações aos detentores de informação.
 

 
Vida Económica - Quais são as prioridades que defende enquanto relatora-sombra do Grupo PPE no Data Act?
 Maria da Graça Carvalho -
Sou relatora-sombra do Data Act, ou Lei dos Dados, através da Comissão do Mercado Interno e da Proteção dos Consumidores (IMCO), no Parlamento Europeu. O trabalho que aí temos vindo a desenvolver concentra-se no objetivo de assegurar que este diploma irá criar condições de concorrência equitativas no mercado dos dados. Mais concretamente, a Lei dos Dados pode criar uma economia de dados mais ágil, especialmente ao permitir um acesso mais fácil a uma quantidade quase infinita de dados industriais de alta qualidade, derivados em particular daqueles gerados por dispositivos conectados. Na Comissão IMCO, estamos a concentrar o trabalho no objetivo de melhorar a portabilidade e interoperabilidade dos dados, aumentando a fluidez do mercado da computação em nuvem (cloud/edge) e reforçando a confiança na integridade dos serviços relacionados. A minha posição passa por reforçar princípios que já são defendidos na proposta da Comissão Europeia, designadamente garantir que o processo de mudança de fornecedor seja executado de forma eficaz, utilizando a colaboração proactiva de todas as partes envolvidas e sem custos excessivos para os utilizadores. Dado que o processo de mudança é uma operação que consiste em várias etapas sucessivas (cessação do contrato; extração de dados; a sua transformação; o seu carregamento num novo local de destino), pretendo garantir que as responsabilidades são mais equilibradas, especialmente entre o provedor de nuvem de origem e o provedor de nuvem de destino. Deve haver colaboração entre todos, utentes incluídos. Apoio a supressão gradual das taxas de mudança de fornecedor, ainda que admitindo a hipótese de que algumas se possam manter para evitar prejuízos para uma das partes. E quero clarificar várias definições, em especial no que diz respeito às taxas de mudança, equivalência funcional e serviços de tratamento de dados.
 
VE - Considera que o atual regulamento é demasiado restritivo ao impor obrigações às empresas e ao limitar a utilização legítima dos dados?
MGC -
A Lei dos Dados é um instrumento legislativo novo dentro da arquitetura jurídica já existente ao nível da União Europeia para os dados. Nesse sentido, não podemos compará-la diretamente a outro regulamento. No entanto, a realidade é que o mercado dos dados é global e até agora foi dominado por operadores de outros continentes que, de uma certa forma, impõem as regras.  Nomeadamente, o mercado da computação em nuvem é dominado por cinco plataformas dos EUA e da China. Os três maiores - a Amazon, a Microsoft e a empresa-mãe da Google, a Alphabet, detêm, por si só, uma quota de mercado superior a 70%. São os chamados hyperscalers. De facto, são eles que definem os termos contratuais da partilha de dados com intervenientes de menor escala. E isso está a ter efeitos adversos. Quando fala em restrições regulamentares às empresas na utilização dos dados, suponho que se esteja a referir mais ao Regulamento Geral de Proteção de Dados. Em relação a este, o que posso dizer é que é um instrumento jurídico do qual temos motivos para nos orgulhar, e em que a União Europeia foi pioneira a nível mundial. No entanto, e sobretudo num setor tão dinâmico como a economia dos dados, a legislação é sempre passível de ser revista e atualizada.
 
VE - Existe um desequilíbrio entre as normas que se aplicam à utilização e proteção dos dados na União Europeia e nos Estados Unidos?
MGC -
Diria que as realidades nem sequer são comparáveis porque, nos Estados Unidos, a legislação sobre esta matéria é muito escassa. As regras são mais definidas pelos acordos estabelecidos entre operadores, e entre estes e os utilizadores, do que através de legislação uniforme. Na União Europeia optámos – e a meu ver bem – por criar um conjunto de regras e princípios que servem de referência a todos os Estados-membros. Aliás, as leis no âmbito da proteção dos dados tornaram-se referências para outros Estados fora do continente Europeu. A União Europeia está na liderança na legislação e na definição dos princípios éticos aplicáveis à economia digital. Em todo o caso, as regras são importantes para ajudar as nossas empresas a ganhar mais espaço no mercado dos dados, mas devemos ter o cuidado de não criar barreiras burocráticas injustificadas.
 
VE - Qual será a evolução previsível do mercado de dados e de oportunidades para a inovação baseada em dados?
MGC -
A economia dos dados foi avaliada em mais de 324,86 mil milhões de euros no final de 2019, o que representa 2,6 % do PIB da UE. O volume de dados está em constante crescimento, de 33 zettabytes gerados em 2018 para 175 zettabytes esperados para 2025. Ou seja: a evolução previsível deste mercado é – e continuará a ser – o crescimento exponencial. Não é por acaso que os dados são considerados o “ouro” dos nossos tempos. Mas para que esta economia possa crescer de facto na União Europeia, temos de criar condições favoráveis, não apenas para os operadores europeus neste setor, mas para todas as empresas e entidades, incluindo entidades públicas, que podem tirar partido do potencial dos dados. Um potencial que está intimamente ligado à inovação, já que esta depende muito do acesso a dados em grande qualidade e quantidade.
 
VE - O crescimento do mercado dos dados pode acentuar a situação de desigualdade entre grandes organizações e as PME que dispõem de menos recursos em termos de tecnologia e capacidade para lidar com as normas aplicáveis?
MGC -
O risco existe, sobretudo se não melhoramos as condições de acesso às tecnologias digitais e às competências nas nossas empresas. Leis como o Data Act permitem fomentar uma maior concorrência, porque abrem novas oportunidades para as empresas europeias. Um mercado de dados mais aberto e equitativo irá beneficiar todos os operadores, e em especial as pequenas e médias empresas. Muitas das disposições que pretendemos introduzir na Lei dos Dados passam por reduzir custos e simplificar o acesso a essas empresas. O problema atual não são tanto as normas aplicáveis, mas, sobretudo, a questão do acesso.
 
VE - Em que setores de atividade considera que a nova lei dos dados vai proporcionar ganhos mais imediatos?
MGC -
Todos os setores têm a ganhar com melhorias no acesso ao mercado dos dados. Porque, como referi, o acesso e a gestão de informação de qualidade e em quantidade são mais-valias fundamentais para qualquer organização ou entidade. Poderia dar-lhe inúmeros exemplos, da aviação à saúde, passando por toda a indústria transformadora, cuja atividade é amplamente influenciada pelo acesso à informação, desde o processo de tomada de decisões estratégicas à conceção e execução dos produtos.
João Luis de Sousa joaoluisdesousa@grupovidaeconomica.pt, 20/01/2023
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