Trabalho vai significar menos empregos;

Ravin Jesuthasan destaca tendência positiva para empresas e trabalhadores
Trabalho vai significar menos empregos
“Em vez de os sindicatos se focarem em proteger empregos, irão focar-se em manter os trabalhadores relevantes para um mundo em mudança” – considera Ravin Jesuthasan.
“Desconstruir o trabalho é essencial para implementar novas opções para contratar, recompensar e envolver trabalhadores” – considera Ravin Jesuthasan. Em entrevista à Vida Económica, o autor do livro “Trabalho sem Empregos” e palestrante da próxima edição do QSP Summit admite  que os empregos não vão ser totalmente extintos e substituídos pelo trabalho independente. Mas serão cada vez cada vez mais reinventados à medida que são desconstruídos, as tarefas redistribuídas e novos empregos ou formas de trabalho mais ágeis a serem reconstruídas.
Para Ravin Jesuthasan, a automatização não substitui empregos. “O que normalmente vemos é que o trabalho altamente repetitivo e baseado em regras é frequentemente substituído, enquanto a criatividade e o engenho humano são tipicamente aumentadas, e a presença da automatização geralmente cria procura por novo trabalho humano ou requer novas habilidades humanas” – afirma.
Vida Económica - Pode explicar o conceito de “trabalho sem empregos” e as maiores diferenças face às visões tradicionais de emprego?
Ravin Jesuthasan - As organizações são limitadas pela obsolescência e pela inércia teimosa de um sistema de trabalho tradicional que foi construído para a Segunda Revolução Industrial, com o trabalho definido como “empregos” e os trabalhadores definidos como “empregados com empregos fixos”. A inadequação desse sistema já foi reconhecida há muito tempo. A sua persistência é um obstáculo primário para evoluir com sucesso por desafios como a digitalização, automatização do trabalho, formas de trabalho alternativas, equidade económica e social global, e o futuro da formação e da aprendizagem. O novo sistema operacional de trabalho, que é definido pelo trabalho sem empregos, permite que os líderes e trabalhadores desconstruam cada vez mais — e continuamente — empregos em unidades mais granulares, como tarefas, e que identifiquem e empreguem trabalhadores com base nas suas competências e capacidades, e não em descrições de emprego. Desconstruir o trabalho é essencial para implementar novas opções para contratar, recompensar e envolver trabalhadores, e para entender e antecipar como a automatização pode substituir, aumentar ou reinventar o trabalho humano. Muitas pessoas continuarão a trabalhar em empregos, mas veremos esses empregos serem cada vez mais reinventados à medida que são desconstruídos, as tarefas redistribuídas e novos empregos ou formas de trabalho mais ágeis a serem reconstruídas..
 
VE - Que mudanças as organizações precisam fazer para se adaptar a um mundo sem empregos?
RJ - O novo sistema operacional de trabalho, definido pelo trabalho sem empregos, é baseado em quatro princípios:
Começar com o trabalho (tarefas atuais e futuras) e não com os empregos existentes.
Combinar humanos e automatização.
Considerar todo o espectro de envolvimento de trabalho humano (como emprego, trabalho temporário, freelancer, alianças, projetos ou outros modos de trabalho alternativos).
Permitir que o talento “flua para o trabalho” em vez de estar dedicado a empregos fixos e permanentes.
 
VE - Que conselhos dá aos trabalhadores que procuram ter sucesso neste novo ambiente?
RJ - Num mundo onde a velocidade e a magnitude da mudança não têm precedentes, todos seremos convidados a nos reinventar. Nas palavras do grande futurista Alvin Toffler; “Os analfabetos do século XXI não serão aqueles que não sabem ler e escrever. Serão aqueles que não sabem aprender, desaprender e reaprender.”
 
VE - Sem empregos, qual deve ser o novo papel dos sindicatos?
RJ - Quando falamos sobre trabalho sem empregos, estamos a falar sobre usar blocos de construção menores (tarefas e habilidades) em vez de empregos. Em vez de os sindicatos se focarem em proteger empregos, irão focar-se em manter os trabalhadores relevantes para um mundo em mudança, à medida que o trabalho é cada vez mais reinventado.
 
VE - Como podem as organizações encontrar um equilíbrio entre automatização e talento humano?
RJ - Como mostramos nos nossos livros com centenas de casos de estudo, a automatição não substitui empregos. O que normalmente vemos é que o trabalho altamente repetitivo e baseado em regras é frequentemente substituído, enquanto a criatividade e o engenho humano são tipicamente aumentadas, e a presença da automatização geralmente cria procura por novo trabalho humano ou requer novas habilidades humanas.
 
VE - Pode compartilhar exemplos de organizações que implementaram com sucesso o modelo de “trabalho sem empregos”?
RJ - No nosso livro, partilhamos exemplos da Genentech, Unilever, DHL e muitas outras empresas.
 
VE - O conceito de trabalho sem emprego aplica-se nas diferentes regiões e culturas em todo o mundo?
RJ - Vimos empresas de todos os tipos, grandes e pequenas, de todo o mundo implementar esse novo sistema operacional de trabalho com muito sucesso. O desafio é trazer todos os stakeholders, dado o contexto cultural e regulatório único.



Ravin Jesuthasan vai estar em Portugal no inicio de julho para intervir na próxima edição do QSP Summit.
 
Apesar da enorme mudança, Ravin Jesuthasan considera que os sindicatos continuarão a ter um papel importante: “Em vez de os sindicatos se focarem em proteger empregos, irão focar-se em manter os trabalhadores relevantes para um mundo em mudança, à medida que o trabalho é cada vez mais reinventado”.
Ravin Jesuthasan é autor, palestrante e consultor reconhecido internacionalmente na área de gestão de talentos, futuro do trabalho e transformação organizacional. È um um líder de pensamento no campo do trabalho sem empregos e do uso de novas tecnologias e abordagens para redefinir como as organizações abordam trabalho e talento.

 

Jesuthasan tem escrito livros e artigos sobre o futuro do trabalho, incluindo o livro “Work Without Jobs: How to Reboot Your Organization’s Operating System” (Trabalho sem Empregos: Como Reiniciar o Sistema Operacional da Sua Organização), em coautoria com John W. Boudreau. Frequentemente participa nos principais  debates e eventos sobre tendências relacionadas com trabalho, automatização e estratégia de talentos.
 


Geração mais jovem procura ter maior flexibilidade laboral
 
Para Luís Miguel Ribeiro, presidente do CA da AEP, “o conceito de trabalho dependente adequa-se mais à realidade da Revolução Industrial, por várias razões, mas destacaria três. A primeira razão está ligada à questão tecnológica, porque a digitalização da economia tem vindo a promover uma redução de tarefas repetitivas e, ao mesmo tempo, a criar novas profissões, por vezes, disruptivas com as do passado. Segunda razão, pelo aumento da escolarização e diminuição do analfabetismo, fazendo com que os trabalhadores possuam mais informação, sejam cada vez mais empreendedores e procurem trabalhos intelectualmente mais criativos. Terceira razão, pela mudança do estilo de vida desejado, principalmente pelas gerações mais jovens, que procuram trabalhos que proporcionem flexibilidade laboral, nomeadamente nos horários”.
Na sua perspetiva, as associações empresariais e os sindicatos devem agir de forma pró-ativa: “Nesse sentido, as associações e confederações empresariais, os sindicatos e o Governo têm o dever de estarem atentos, anteciparem e acompanharem este tipo de dinâmicas laborais, trabalhando em estreita cooperação, de forma a obter as melhores decisões, em benefício das pessoas e da economia. Também por tudo isto, a Concertação Social assume uma enorme relevância e o novo Governo já mostrou vontade de avançar/retomar o diálogo com as diferentes partes”.
“Adicionalmente, as associações empresariais continuarão a ter um papel ativo e crítico, independentemente do vínculo do trabalhador, promovendo não só a sua formação, como também estimulando o empreendedorismo, nomeadamente em projetos de investimento de cariz inovador.”
Sobre o evolução do trabalho independente em Portugal e na Europa, Luís Miguel Ribeiro entende que “o trabalho independente tem ganho relevância pela própria dinâmica de mercado, nomeadamente com o surgimento de novas profissões decorrentes da digitalização da economia, da inteligência artificial, do próprio perfil de ativos que hoje temos (mais bem-preparados) e também pelo benefício de determinadas medidas/regalias que até há pouco tempo não abrangiam os trabalhadores independentes. Neste âmbito, é expectável uma convergência com a proporção que outros países europeus apresentam”, conclui.
Susana Almeida, 24/04/2024
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